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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
O senhor tem escrito livros de filosofia para os jovens. Entende que a filosofia tem sido negligenciada para as novas gerações? O que espera alcançar com essas obras?Fernando Savater: Eu não me considero um filósofo, com maiúscula, como Spinoza ou Kant, e sim um simples professor de filosofia. Acho que se os jovens aprenderem a prática da filosofia (e não apenas de dados, datas e nomes dos movimentos intelectuais, é claro), poderão dar mais profundidade humana para suas vidas e talvez pensar melhor sobre as questões que os cercam. Meus livros são destinados a ajudar os recém-chegados a conhecer essa tradição emancipadora, com base em dúvidas estimulantes e não em certezas rotineiras.
No Brasil, a escola funciona como um mecanismo de reprodução da desigualdade social. Crianças pobres vão para escolas públicas de qualidade deficiente, enquanto crianças de posses estudam em colégios privados em que a qualidade, muitas vezes, corresponde àquilo que a família pode pagar. Que mensagem um sistema assim passa à sociedade?
Fernando Savater: Envia a mensagem de um país mal governado, onde as pessoas não se importam o suficiente com a educação ao votar ou ao exigir dos eleitos que cumpram suas obrigações neste campo (e esse não é um problema exclusivo do Brasil, é claro, na Espanha acontece o mesmo).
Os governos não se preocupam muito com a educação, porque os seus efeitos só são sentidos no longo prazo, e os políticos só planejam o futuro a algumas semanas de distância; de modo que são os cidadãos que devem insistir na importância desta questão. Uma boa educação pública é um elemento mais revolucionário de equiparação social do que qualquer sublevação violenta.
O Brasil também tem enfrentado outro problema: a carreira de professor não parece atraente para muitos jovens, e a procura por faculdades na área vem diminuindo. O ex-ministro da Educação do Brasil, Renato Janine Ribeiro, recentemente se referiu ao risco de um “apagão" de professores no sistema de educação. Que riscos uma situação dessas pode trazer para um país em desenvolvimento?
Fernando Savater: Riscos gravíssimos. Os professores são o fundamento da democracia, e eu diria que também da civilização. Sem eles, há apenas a barbárie da elite tecnológica e a arrogância brutal dos plutocratas latifundiários ou financeiros. É uma obrigação racional de todos tornar a carreira de professor atraente, dotá-la de uma boa preparação e de uma remuneração adequada.
Acima de tudo, é importante que a cidadania escute os problemas e as advertências dos professores, converta-os em protagonistas sociais, limpe as suas fileiras de sindicalistas corruptos. Só então poderá exigir deles as responsabilidades de sua alta função, que não consiste em orientar meninos e adolescentes para que sejam revolucionários ou conservadores, e sim para que conheçam os requisitos da cidadania democrática e a exerçam como acharem melhor.
A promoção da leitura na escola tem sido muito discutida em termos duais: para alguns, as aulas de literatura devem apresentar ao aluno os clássicos que formam um cânone; para outros, deve ser encorajada a leitura com livros contemporâneos que os adolescentes e as crianças podem desfrutar com prazer. Qual sua opinião neste debate?
Fernando Savater: Em minha opinião, o importante é contagiar os jovens com o amor pela leitura, e não com a veneração aos clássicos. Esta última virá depois, se vier, e se não vier, o mundo não vai afundar por isso. Assim, os jovens devem ler o que eles gostam, não o que a maioria de seus professores de literatura aprecia. Que leiam Harry Potter e mais tarde, como tema acadêmico, conheçam Machado de Assis.
A educação do cidadão no século XXI - um quarto de hora que vale a pena ouvir
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