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A Associação Sindical dos Juízes Portugueses garante-nos que os tribunais não têm agenda política e que estes não decidem em função das expectativas ou para agradar a “associações militantes de causas, sejam elas quais forem”.

 

Em primeiro lugar, o poder judicial é uma instância política por excelência. É uma instância a quem damos poder, nós o povo, para nos representar na resolução de conflitos, particulares ou institucionais. Portanto, os tribunais têm uma agenda política, sim.

 

Em segundo lugar, os juízes são pessoas humanas e como tal têm valores éticos, estéticos, políticos, religiosos, laicos, económicos, têm expectativas, problemas pessoais, um passado com experiências mais ou menos marcantes, são mais inteligentes ou mais burros, etc. Um juíz não se limita a aplicar a lei porque tem que interpretá-la para aplicá-la aos casos em questão e essa interpretação não está imune ao efeitos de todos aqueles factores que o constituem. Por consequência, um juíz tem que ser uma pessoa que sabe vigiar-se e desconfiar-se neste sentido particular da imparcialidade. Por exemplo, li que as estatísticas dos homicídios em Portugal mostram que as mulheres são uma pequena minoria dos homicidas, a maioria são homens mas, são elas quem leva as penas mais pesadas... há aqui um problema de mentalidade machista? Não sei mas acho que devia ser investigado porque é estranho.

 

Em terceiro lugar, as leis, com o evoluir dos tempos/costumes/ideias/valores etc. podem tornar-se, e tornam-se, caducas, desadaptadas, desadequadas e, por isso mesmo, deixam de tender para a justiça. O acordão daquele juíz que desculpava o marido da vítima por ela andar com outro homem poderá estar adequado à sociedade e ao povo do Afeganistão (enfim, mesmo no Afeganistão se admitem os Direitos Humanos como referência universal), mas não com o português; da mesma maneira, este acordo que diz que é normal num contexto onde há álcool haver abuso sexual ou que não houve violência apesar da mulher ter sido violada, independentemente de poderem fazer uma interpretação da lei em que este termo é substituído pelo de 'abuso', é digno do Afeganistão e não de Portugal, pois ninguém a não ser os violadores e os machistas extremamente obtusos poderá pensar que usar-se sexualmente de uma pessoa inconsciente não é violação ou que havendo violação não há violência porque não se deu uma sova ou facadas na vítima.

 

Portanto, os tribunais não julgam para agradar mas ao interpretar a lei têm que compreender que não estão a julgar segundo as suas ideias particulares mas segundo as expectativas do povo que representam, dentro da lei. E se as leis se tornaram desadequadas ao tempo em que estamos com as ideias que temos, mudem-se as leis, não se castiguem as vítimas, porque a justiça não pode ser alcançada com leis injustas.Senão, por essa ordem de ideias de não terem que corresponder às expectativas das pessoas, ainda hoje as mulheres estariam proibidas de votar... 

 

O pior neste caso é a conivência de toda a classe com estes casos que não são erros. O erro é involuntário e estes acordãos mostram uma política de cegueira, no mínimo, desprezo, no máximo, pelo crime de violação e os efeitos que têm nas vítimas, quase todas mulheres. Faz lembrar um padre que há poucos dias confessou, relativamente à questão da pedofilia, que não denunciavam os padres pedófilos porque não achavam o crime assim tão grave, pois pensavam que aquilo, para as crianças, haveria de ser apenas uma má memória...

 

Ora, mesmo que fosse apenas um mero erro (o que é difícil de perceber dado o conluio dos criminosos e outras acções descritas como ter o cuidado de desembaraçar-se da amiga e pô-la a beber shots... e agora parece que já o tinham feito antes... criminosos empedernidos: Jovem terá sido alvo de abuso sexual no mesmo bar de Gaia onde mulher foi violada) o dever dos juízes que tratam destas coisas era reunirem-se e tentarem perceber como foi possível o erro e se seria possível que não se repetisse em vez de dizerem, 'nós é que sabemos e fazemos o que queremos e tudo o que fazemos está bem'.

 

Faz mais ou menos dois meses fui vítima de um possível erro por parte de médicos que me trataram do tumor. Quando isso aconteceu mostraram-se preocupados, reviram o meu caso e depois deram-me explicações sobre o que poderia ter-se passado. Soube ontem, por acaso, que foram até mais longe e juntaram toda a equipa de médicos e técnicos do departamento, reviram o caso de vários pontos de vista e discutiram uns com os outros possíveis mudanças de protocolo para evitar que o que me aconteceu pudesse acontecer a outras pessoas. Isto impressionou-me muito favoravelmente porque uma pessoa não pode evitar que de vez em quando se cometam erros, como é evidente, pois onde há seres humanos há erros, mas pode, e deve, dando-se conta deles, tentar corrigi-los.

 

Agora, aperceber-se de um possível erro e não apenas não fazer nada para o corrigir como negá-lo até à quinta casa às vezes com falsos argumentos como dizer que as pessoas falam do que não percebem porque as questões processuais são complicadas, sendo que ninguém está a opinar sobre questões processuais mas sobre a maneira como foram interpretados os factos do próprio crime... falam sempre como se fossemos todos idiotas e negam-se a admitir qualquer erro, mesmo os que entram pelos olhos adentro... e é isso que descredibiliza a justiça.

 

Uma pessoa vai à costureira ou ao alfaiate e apesar de não saber costurar nem cortar fatos, sabe ver se o vestido ou o fato estão mal feitos e se assentam mal. É por isso que em democracia quem vota é o povo e não apenas os especialistas, embora sejam eles a fazer as leis.

Mas os juízes, como devem estar habituados a lidar com uma maioria de gente muito simples nos seus casos, acham que o povo é todo simplório. Nisso são como os políticos.

 

publicado às 13:17


2 comentários

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De Anónimo a 29.09.2018 às 17:18

Muito bom

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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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