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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Há uma maneira correcta de pensar?
Saber pensar requer um conjunto de habilidades cognitivas - capacidade quantitativa, flexibilidade conceptual, perspicácia analítica, clareza expressiva. Mas para além destas capacidades, aprender a pensar requer o desenvolvimento de um conjunto de virtudes intelectuais que faz das pessoas, bons estudantes, bons profissionais e bons cidadãos. A palavra 'virtude' é usada, deliberadamente, por oposição, a competências. Como Aristóteles sabia, as virtudes, ao contrário das competências, têm uma dimensão moral.
O amor pela verdade. Para serem bons estudantes, os estudantes têm que amar a verdade. Sem esta virtude intelectual, cumprem obrigações apenas para não serem punidos por não as cumprirem.
Tornou-se uma moda intelectual atacar a noção de verdade. Tens a tua verdade que eu tenho a minha. Tens a tua verdade hoje mas podes ter uma diferente amanhã. Pessoas que reclamam saber a verdade em algum domínio, argumenta-se, estão apenas a usar a sua posição de poder e privilégio para impôr a sua verdade.
Esta viragem para o relativismo é, em parte, reflexo de algo positivo que aconteceu à investigação intelectual. Percebeu-se que muito do que a elite pensava ser verdade era distorcido por limitações de perspectiva exclusiva. Lentamente as vozes dos excluídos foram incluídas na conversação e as suas perspectivas enriqueceram a nossa compreensão. Mas a razão pela qual enriqueceram a nossa compreensão está em terem-nos dado uma parte da verdade que estava, antes, invisível, para nós.
Não, da sua verdade, mas da verdade. O facto de cada um de nós apreender apenas uma parte de verdade degradou-se numa visão segundo a qual não há verdade alguma para apreender.
Procurar a verdade é difícil e o relativismo intelectual facilita a vida. Não há necessidade de lutar através de discordâncias para chegar ao cerne das questões, se não houver cerne. Toda a gente tem direito a uma opinião - é a grande democratização do conhecimento.
O amor da verdade é uma virtude intelectual pois a sua ausência tem sérias consequências morais. O relativismo corrói o nosso respeito fundamental pelos outros enquanto seres humanos. Quando as pessoas respeitam a verdade procuram-na e falam-na no diálogo. A partir do momento em que a verdade se torna suspeita, debater tornar-se num esforço de manipulação. Em vez de persuadir com razões para os nossos pontos de vista, usamos todos os meios que pensamos resultar para vencer o outro, como no jogo político.
Honestidade. A honestidade permite ao estudante encarar os limites do seu conhecimento, encoraja-os a assumir os seus erros e permite-lhes reconhecer verdades desinteressadas acerca do mundo.
Imparcialidade. É necessário que os estudantes sejam imparciais ao avaliar os argumentos dos outros. Temos a tendência para enfatizar evidências que suportam as nossas crenças e para ignorar as que são inconsistentes com as nossas crenças. As pessoas usam a razão mais como um advogado que está a construir um caso em vez de a usar como o juíz que o decide.
Humildade. É a virtude que permite reconhecer os erros e pedir ajuda. Frequentemente ouvimos os alunos dizer, 'tirei um 18', mas, ela 'deu-me um dez.'
Perseverança. Os estudante precisam de preseverança pois pouco do que vale a pena saber se alcança com facilidade e sem esforço. Cada vez mais se encurta e emboneca os assuntos no pressuposto de que os estudantes não têm capacidade de concentração continuada e só se motivam com superficialidades. Recorre-se a imagens em vez de textos. Pequenas frases em vez de excertos ou capítulos. Não se treina a perseverança.
Coragem. Os alunos necessitam de coragem intelectual para defenderem as suas posições e para prosseguirem caminhos intelectuais que implicam riscos.
Saber ouvir. Um estudante não aprende nada dos outros se não é capaz de ouvir. É preciso coragem para ser bom ouvinte pois bons ouvintes sabem que as suas visões do mundo e os seus planos do que este deve ser podem ser postos em causa numa conversa séria.
Sabedoria. Os estudantes precisam daquilo que Aristóteles chamava, sabedoria prática. Sabedoria prática é o que faz com que os estudantes usem as virtudes anteriores com equilíbrio, prudência, sem radicalismo e, ainda, que possam tomar decisões acertadas quando essas virtudes entram em conflito umas com as outras. A sabedoria prática é a virtude mestre.
Do lado do professor são necessárias:
Abrangência e empatia. Um professor tem que ser capaz de lembrar-se de como era antes de compreender um assunto pois todos os assuntos são evidentes depois de os compreendemos. Sem essa abrangência e empatia um professor não é capaz de se fazer compreender pelos alunos.
Peter Ubel, um professor e médico na Duke University, disse um dia que o velho médico paternalista desapareceu mas foi subsituído pelo igualmente inadequado, médico do 'paciente autónomo' em que os médicos apresentam os dados e esperam que as pessoas decidam sozinhas, sendo que na maioria das vezes as pessoas não têm conhecimentos suficientes para pesar a rentabilidade das várias alternativas no que respeita aos seus interesses. Boas decisões requerem, simultaneamente, conhecimentos especializados e compreensão das circunstâncias de vida de cada doente particular.
Ainda para mais, no mundo desenvolvido a medicina tornou-se mais numa gestão de doenças crónicas que em actos de cura, logo necessita de mudanças de hábitos de vida por parte dos doentes. A motivação para mudar de hábitos de vida tem de vir da empatia e visão abrangente do médico, capaz de fazer dos doentes parceiros na gestão da sua doença.
Da mesma maneira, a um advogado não lhe basta o conhecimento especializado pois tem de conhecer as circunstâncias de vida dos clientes para poder aconselhá-los adequadamente.
Na educação é igual. Um bom professor tem de ser capaz de entrar no modus operandi intelectual do aluno, no seu contexto e na sua motivação particular, pois de outro modo não chega a ele.
Cultivar estas virtudes intelectuais não conflitua com o treino em áreas específicas do conhecimento. Pelo contrário, ajudam a criar uma força de trabalho mais sólida e flexível, mais persistente, capaz de procurar ajuda, de buscar formação, de ajudar outros.
Os professores têm de modelar a formação destas virtudes no seu comportamento diário. A maneira como fazemos perguntas aos alunos ensina-os a fazer perguntas. Ensinamo-los a ouvir pela maneira como os ouvimos, ensinamo-los quando interromper pela maneira como interrompemos; encorajamos a honestidade intelectual quando dizemos, a respeito de algo que não sabemos, 'não sei'. Porque os estudantes estão sempre a observar-nos em tudo. Temos que fazer estas coisas, não de modo acidental mas deliberadamente. [é aqui e assim, na prática diária, que se treina o respeito e a cidadania e não em disciplinas à parte]
Barry Schwartz é quem defende assim estas ideias e está a pensar na prática das universidades mas o que ele diz é o que qualquer professor intelectualmente honesto tenta fazer nas aulas com os estudantes e consigo próprio.
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