por beatriz j a, em 26.07.15
JOÃO MIGUEL TAVARES
Este artigo faz lembrar os argumentos do fisco quando, ainda há pouco tempo, penhorava a casa das pessoas a mando dos bancos e punha-as na rua por deverem mil ou cinco mil euros ao banco. Quando perguntavam, 'mas como é que vão pôr uma família na rua por causa de uma dívida?', respondiam, 'Quem os mandou comprar uma Tv plasma e um carro se não tinham dinheiro para pagar?'. É certo que compraram o que não podiam, mas se calhar deixaram-se levar enganados pelo crédito fácil dos bancos e pelo sonho de ter uma vida um pouco melhor. Não podem os bancos dar-lhes folga e ajudá-los a poderem erguer-se para poderem pagar as dívidas? Não pode o Estado fazer isso? 'Não queremos saber, se não tivessem essas ideias de igualdade de quererem viver com o dinheiro dos outros não tinham chegado a este ponto'. É verdade, mas não é verdade também que os bancos que agora os punem andaram e andam a viver à custa do dinheiro dos clientes, e quando se viram com dívidas incomportáveis pediram e tiveram ajuda do Estado? Não é verdade que o Estado, na pessoa dos seus políticos esbanjou obscenamente dinheiro que não era seu? Ora, o Estado somos todos nós e se os bancos e os políticos não tivessem querido viver como milionários à custa dos outros não tinham chegado onde chegaram... 'Ah.. mas isso é diferente'. Diferente em quê? 'Nós temos um poder que os clientes não têm'. Então é tudo uma questão de força e poder e não de moralidade? Está a dizer que tudo é lícito ao ditador porque ele... pode? E devemos aceitar essa 'realidade'?
Só que a pressão da opinião pública levou a que não se pudesse tirar a casa às pessoas por causa de dívidas aos bancos. A realidade é uma construção humana, dinâmica e, o que fazemos dela, tem que ver com as nossas ideias acerca do que ela devia ser e não do que ela foi ou é num determinado momento da História.
O Obama quando chegou ao governo quis mudar a saúde, a austeridade... chamaram-lhe socialista e até comunista, e disseram-lhe que a realidade não permitia essas coisas: por causa do endividamento e por causa da oposição dos 'lobbies'. E o que fez ele? O que pensava estar certo: injectou $832 mil milhões na economia e criou a Affordable Care Act e pôs o desemprego a baixar e a economia a crescer 5%. Quando ele chegou ao cargo um dólar custava metade de um euro e agora está particamente ao mesmo nível. Esta é a 'realidade'! Não é a que vigorava, é a que ele criou.
A Alemanha ganhou no passado ao ver as suas dívidas perdoadas, depois ao apoiar os gregos corruptos nos governos (fartou-se de lhes vender carros, electrodomésticos, submarinos e aviões de combate como nos faz a nós) e agora está a lucrar imenso com a crise grega e com a austeridade que impôs aos gregos, aos portugueses e aos espanhóis. Poderão dizer, 'okay, foi esperta'. Se calhar foi... mas ser mais esperto é diferente de estar a fazer o que é correcto e criar uma realidade democrática que interesse a todos enquanto grupo porque viver numa ditadura onde uns são mantidos na miséria para outros prosperarem, essa é uma outra 'realidade' que já conhecemos e não queremos de volta.