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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
... acerca dos desvios e erros de vício que se vão instalando e onde nos levarão. Este artigo é um bom exemplo de questionamento sobre o modo como os poderes, que se dizem herdeiros dos ideais de Abril e os usam ao peito na lapela, talvez mais por vaidade ou auto-indulgência que por convicção, os atraiçoam nos seus fundamentos ao exercerem o poder.
Paulo Mota Pinto
Alguns dos protestos que Portugal tem vivido nos últimos meses deram origem a curiosas críticas feitas por parte de analistas e de políticos, maioritariamente situados à Esquerda. Diz-se que se trata de movimentos e de protestos ditos "inorgânicos". Quer com isso dizer-se que não são controlados politicamente, ou por nenhuma central sindical - isto é, são independentes e não sob obediência de nenhuma motivação política ou ideológica. Limitam-se a pretender defender os interesses dos trabalhadores em causa.
Trata-se de críticas curiosas, só verdadeiramente veiculáveis no contexto português. O panorama sindical em Portugal é há muito dominado pela ligação das centrais sindicais a partidos políticos. E com muitos casos de comunhão de dirigentes e total alinhamento de posições. Nalguns casos, perante a perda de adesão ao partido, há mesmo quem se interrogue se não é já a central sindical que é "correia de transmissão" do partido, mas antes o inverso que se verifica.
A situação de controlo dos trabalhadores por apenas alguns sindicatos, e destes por partidos políticos - mesmo não tendo chegado a vingar a tentativa de imposição de "unicidade" sindical" - tem certamente várias explicações, históricas, políticas e sociais. E, provavelmente, não tem só efeitos negativos.
Mas os instrumentos de luta dos trabalhadores, e as suas formas de organização coletiva existem para a defesa de interesses laborais, e não para ser instrumentalizados para posições de partidos políticos. Por isso, não é aceitável o medo de que os trabalhadores possam expressar e defender livremente os seus interesses - como passaram a poder fazer em consequência do 25 de Abril 1974. O medo de que atuem sem controlo por partidos que pretendem ser seus donos. Em vez do medo da greve livre, o que deve repudiar-se é antes o controlo do protesto laboral por partidos políticos que querem ser donos (e monopolistas) dos trabalhadores e seus interesses.
O medo da greve e do movimento sindical livre não é, na realidade, mais do que o medo de perda do controlo e do poder sobre os interesses dos trabalhadores, e da possibilidade de os instrumentalizar para os seus próprios fins políticos e partidários. Mas quando a atuação desses partidos políticos se traduz no aval ao prolongamento e aprofundamento da austeridade (encapotada), e à constante degradação dos serviços e bens públicos ao dispor dos mais desfavorecidos, esse é o resultado inevitável.
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