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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Vi este filme. Vi-o um bocadinho de pé atrás porque não sou fã dos filmes do Tarentino, em geral. No entanto, por causa deste filme, mudei a minha opinião dele. Este filme é muito bom em vários níveis.
Em primeiro lugar para pessoas da minha idade ou por aí (ou entusiastas desta época) porque recria excelentemente o ambiente hippie dos anos 60 quando a cultura de filmes de cowboys ainda existia mas estava a desvanecer-se. Do ponto de vista da recriação da época é uma jóia. Uma cinematografia muito boa.
Depois, há o ponto de vista do realizador sobre o que era, e é, Hollywood em si e, o que é para a audiência que o glamoriza.
O filme tem várias camadas, sendo que a principal, a meu ver, é a relação entre o actor e o seu duplo (Di Caprio é o actor e Pitt o seu duplo) e o que ambos representam no imaginário de Hollywood. O actor que luta para não ser 'alguém que podia ter sido alguém', faz de herói nos filmes e fica com as garotas, a fama e o dinheiro mas o indivíduo que corresponde à personagem do imaginário do herói (o Marlboro man) é, na verdade, o seu duplo. Esse é que é um durão que faz as cenas difíceis, nos filmes e na vida real. Faz o que tem que ser feito, por assim dizer. Os actores são vaidosos, inseguros e choram por reconhecimento.
Como no filme Once Upon A Time In America de Sergio Leone, com o qual este se compara, não apenas no título (na música dos créditos finais) mas no subtexto, o durão, o que luta, faz o trabalho sujo, dá o corpo ao manifesto e se for preciso é violento e vai para a cadeia, passa despercebido ao lado do outro, o que se aproveita do seu trabalho e acaba nas luzes da ribalta, seja o actor, como neste filme, seja o político, como no outro filme. Certo tipo de heróis dos filmes de Hollywood, o bonzinho com ar de copo de leite que mata os maus todos, só existe na nossa imaginação infantil. Quem é capaz de matar todos é um assassino, capaz de muita violência. Essa é a realidade. A violência existe e é real e o caso do assassinato de Sharon Tate é um grande exemplo disso.
Há uma cena de violência no fim do filme que provoca o espectador porque sendo muito forte, não desencadeia o nosso mecanismo de censura (embora desencadeie a repulsa ou aversão) devido ao modo como é construída ao longo do filme. Não vou dizer para não estragar o filme a quem não viu mas essa cena põe-nos a nós, audiência, ou melhor, põe o nosso 'código moral', em questão. Nessa cena vemo-nos a nós próprios de maneira surpreendente e crua. Isso achei genial.
E no meio daquela violência extrema tem uma cena extremamente cómica do personagem actor que nos põe de volta no registo Hollywood do filme. Muito bom.
O filme ainda tem um nível de texto onde assistimos às dores, por assim dizer, próprias do fim de uma era, essas épocas de transição, causadoras de desequilíbrios e convulsões.
Hollywood é uma mentira e uma ilusão mas cria realidades para fora das suas fronteiras, dos seus bastidores e é por isso que importa muito.
Muito bons actores, não apenas no trabalho dos dois principais, que é excelente, mas dos outros todos que aparecem.
Muito bom, o filme. A única coisa que não gostei no filme foi a maneira como retrata o Bruce Lee. Niguém chega onde ele chegou num país e cultura de filmes tão 'brancos' como eram na época, sendo um impostor, um buffoon, como eles dizem. Esse óbvio preconceito estraga um bocado um filme que podia ser totalmente impecável.
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