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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Ficou surpreendida ou pensava que ainda haveria mais prejuízos?
Fiquei sobretudo desgostosa porque, quando li o relatório, no dia em que me foi entregue, fiquei com muitas dúvidas e críticas quanto à democracia portuguesa e ao regime. Nunca pensei em dizer isto, mas deixei de acreditar na democracia portuguesa. Não existe democracia em Portugal.
É uma ficção. Nunca pensei chegar a isto, porque quando ouvia as pessoas a dizerem isso achava que elas eram populistas, exageradas e radicais. Depois de ver aquele relatório, não tenho dúvidas que isso é mesmo assim. Não há mesmo democracia em Portugal. O que houve estes anos na Caixa Geral de Depósitos, de chegarem lá amigos de gestores ou de administradores ou de deputados ou de ministros e dizerem que querem milhões, para o que não têm quaisquer garantias e a avaliação de risco é claramente negativa, mas levam esses mesmos milhões e, obviamente, não cumprem, atesta aquilo que estou a dizer. Aquilo é um banco público.
Por ser público, ganha outros contornos...
Recapitalizámos o BPN, o BES, o BCP, o BPP, mas isto é o banco público. O que se passou neste banco nunca poderia ter acontecido em nenhuma escala.
O facto de as nomeações serem políticas não contribui para a sua transparência?
As nomeações devem ser políticas fazendo da Caixa Geral de Depósitos um instrumento a favor da alavancagem e da dinamização da economia portuguesa, e não propriamente para encherem os bolsos a meia dúzia de piranhas de um sistema.
Mas é por isso que não vivemos numa democracia?
Perante estes dados não estamos numa democracia, porque não é aceitável.
As democracias têm lacunas...
Isto não são lacunas. Há 17 gestores desta altura que continuam a ter cargos máximos de relevância. Faria de Oliveira preside à Associação Portuguesa de Bancos, Carlos Costa foi administrador da Caixa Geral de Depósitos e preside ao Banco de Portugal, Tomás Correia está à frente da Associação Mutualista Montepio. Há não sei quantos gestores que continuam dentro da banca. Aliás, destes, só dois é que não entraram, não foram reciclados outra vez no sistema bancário porque foram impedidos pelas instâncias europeias, senão também continuavam. O que acontece neste momento é que não há democracia porque a equipa que está a jogar contra a outra equipa é exatamente da mesma cor, e o árbitro e o VAR também. Não há jogo político, não há jogo democrático, estão todos exatamente a comer da mesma gamela e a agasalharem-se nos mesmos lençóis – obviamente, não há democracia. Não acha que é legítima a dúvida quando olhamos para esta situação? Porque é que o Banco de Portugal até hoje não emitiu sequer um comunicado sobre aquilo que aconteceu? Não acha que é legítimo que um cidadão que leia jornais e que esteja minimamente informado olhe para isto e pense que ele está a proteger-se a si mesmo? Esteve na Caixa Geral de Depósitos, não viu nada, não se passa nada.
Tem a noção de que todos sabiam o que se passava?
É claro que todos sabiam.
Por isso é que fala no tal regabofe?
Todos sabiam o que se passava de certeza, uns melhor do que outros. Até jornalistas sabiam pelas investigações que foram fazendo. O que este relatório traz é, de facto, uma visão panorâmica de conjunto e um atestado a muitas informações que foram sendo levantadas, porque há aqui muitos dados que já eram motivos de suspeita ou até mesmo de investigação.
O caso de Vale do Lobo?
Por exemplo. Como era possível financiar quando toda a gente sabia que aquilo era um poço sem fundo? Como é possível essa insistência?
E um banco que também foi usado para uma guerra interna num banco privado...
O BCP, em que são oferecidas como garantias as próprias ações. Acha que isso é sequer imaginável num regime democrático? Penso que não é. Este tipo de promiscuidade é que nos faz questionar todo o sistema.
(...)
Não seria desejável alargar o leque após 2015?
Acho que sim. Além disso, é preciso atribuir outro tipo de responsabilidades.
A Deloitte, que foi a auditora da Caixa não sei quantos anos, também não viu nada. Todos estes atores supostamente credíveis e com créditos firmados na sociedade portuguesa e até internacional nunca souberam de nada e nunca viram nada do que se passava na Caixa Geral de Depósitos. Se isto não merece responsabilidades e se não merece consequências, então não sei o que é que merece. Não consigo imaginar, sinceramente, tirando crimes como envenenar os cidadãos através de um saneamento público de ar, uma coisa mais grave do que esta. Tivemos de cortar no Sistema Nacional de Saúde, tivemos de cortar na escola pública, tivemos de cortar numa série de dinamização de pequenos e médios empresários, e depois acontece isto. Sabe quanto é que, em média, os portugueses dão por ano para a corrupção? 1800 euros. Gastamos 8% do nosso PIB em corrupção, Luanda, por exemplo, gasta 0,7%.
Gasta como?
O que os índices de corrupção mostram é que custa a cada português isto: 1800 euros por ano. É mais do que gastamos em medidas de combate ao desemprego. Cada euro gasto em corrupção – e isto não é populismo – é tirado a um apoio de um velhote ou à educação de uma criança. Quais são as responsabilidades políticas? Vejo com um crime de lesa-pátria porque não consigo imaginar – talvez a fantasia pródiga de alguns psicopatas à frente do país o consiga fazer – um crime mais grave para o país do que este, do que roubar o dinheiro diretamente às pessoas, do seu trabalho, do seu esforço diário e da sua construção, porque a Caixa Geral de Depósitos é também a construção de todos os portugueses.
Mas o facto de as auditoras não saberem de nada não é inédito em Portugal.
Aqui, o que é inédito é que se trata de um banco público. Por exemplo, a comissão de avaliação de risco da Caixa reunia-se à quinta-feira de manhã e à quarta eram entregues os documentos. Ou são todos uns génios da finança ou gostava de saber como é que de quarta para quinta conseguiam fazer a avaliação do risco. Claro que não faziam, era uma reunião de fachada e de fantoches.
O que contava era a pessoa que pedia o empréstimo?
Óbvio, e as ligações que tinha, os contactos que tinha, o poder que tinha, o prestígio que tinha, a influência que tinha. Isto chama-se tráfico de influências, chama-
-se corrupção. Chama-se crise de lesa-
-pátria com esta magnitude e regularidade porque o crime também se mede pelo aspeto reiterado, e ao longo destes anos todos é um crime contra o país, contra a nação. E tem nomes e rostos, estão lá no relatório, está à vista de todos.
Acha que há mais algum banco em estado crítico?
O Montepio é um deles. É uma bomba que está prontinha para nos explodir na cara. E agora que Tomás Correia está outra vez à frente, acho muito perigoso.
(...)
E o que pensa de ele estar no Banco
de Portugal?
Acho que faz parte deste processo de institucionalização e normalização do BE, o qual vejo com algum desgosto. Acho que o papel de crítica social aguçada e também de alguma rebeldia do BE era muito importante na sociedade portuguesa e ficou um enorme vazio. Outra coisa que está a enfraquecer a nossa democracia é que António Costa governa como se tivesse uma passadeira vermelha a descer pela Avenida da Liberdade porque a direita não existe, está totalmente esfrangalhada, e a esquerda está metida no bolso direito de António Costa. Neste momento não há oxigenação na vida política portuguesa e isso é mais um facto perigoso.
(...)
O que tem a dizer sobre Fernando Medina?
Vejo-o como um político monárquico, alguém que herdou o poder. Acho-o fraco politicamente, pouco ousado, não acho grande orador nem que tenha feito nada de especial pela cidade de Lisboa. Acho-o um mau presidente da câmara e um político com pouca espessura, com pouca densidade, mas a verdade é que ganhou.
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