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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Estou aqui a ver trabalhos. Vai ser o meu fim de semana. Este ano tenho 120 alunos espalhados por quatro turmas, três do 11º ano e uma do 12º ano. Os trabalhos do 11º ano são individuais - são ainda de um tema do 10º ano que no ano passado ficou por dar por ninguém me ter substituído quando fiquei doente.
Eu anoto os trabalhos todos. Para cada um digo o que esteve bem, quais as falhas principais, tanto no conteúdo como na forma. São trabalhos com um guião de orientação, com items obrigatórios e outros opcionais, tanto para a parte escrita como para a apresentação oral, como é o caso destes trabalhos de grupo do 12º ano.
Os trabalhos de grupo são menos -uma turma, 7 trabalhos- mas são mais trabalhosos de comentar por causa da apresentação oral onde cada elemento do grupo tem uma avaliação e comentários próprios. Estes do 11º ano consistem em uma apreciação estética e por isso têm que que ser individuais. Logo, 90 trabalhos para ver e comentar. Isto é uma trabalheira maluca que não sei se vou conseguir acabar este fim de semana. No 11º ano já fiz três avaliações e ainda falta uma. No 12º fiz uma e falta outra.
Esta semana uma pessoa perguntou-me se isto de fazer testes/avaliações resulta mesmo.
As avaliações são fundamentais em vários sentidos:
1. sem elas os alunos não sabem se estão a progredir nos conhecimentos nem como;
2. sem elas os alunos não sabem sequer se estão a adaptar-se àquele professor em particular e à sua maneira de trabalhar;
3. sem elas os alunos não sabem se têm erros ou vícios de forma na maneira como abordam/resolvem os problemas:
4. sem elas os alunos não sabem se são capazes, nem treinam, objectivar o conteúdo do seu pensamento;
5. com elas os alunos vão construindo uma imagem do seu próprio percurso intelectual e domínio de técnicas, o que é importante e motivador;
6. com apenas uma avaliação por período, um aluno que tenha um desaire num teste/trabalho não tem oportunidade de corrigir o percurso;
7. sem elas um professor não conhece os alunos. O número de alunos na turma e o tipo de interacção possível naquele tempo limitado não permitem conhecer os pontos fortes e fracos dos alunos. É nos trabalhos e testes que percebemos a sua maneira de pensar, estruturar ideias, resolver problemas, de dominar técnicas, quais os pontos fracos e fortes, os erros de forma, etc. Um professor que não conhece os alunos neste ponto de vista não os pode ajudar, seja a melhorar ou a corrigir.
8. sem elas um professor também não pode também corrigir-se a si próprio, perceber se está a chegar aos alunos e quais os seus próprios pontos fracos e fortes.
Quer dizer, as avaliações são fundamentais no processo educativo. No entanto, cada vez mais somos empurrados para não fazê-las dado a prioridade que é dada a poupar dinheiro e encher professores de turmas e as turmas de alunos.
É que as avaliações para terem proveito, dão imenso trabalho. Ora, se temos que dedicar-nos a burocracias e tarefas que nada acrescentam à vida dos alunos, não temos depois tempo para ver trabalhos, fichas e testes. No fim de um dia com 3 blocos de aulas que são 6 aulas, mais trabalho de DT, de apoios, de burocracias e outras cenas que o ME inventa para nos controlar, ninguém tem cabeça para ir corrigir testes ou trabalhos de modo que para continuarmos a fazer estas avaliações temos que sacrificar fins de semana uns atrás dos outros. Epá, mas desde quando isso pode ser uma obrigação...?
Há uma greve de professores a decorrer às actividades da componente não lectiva. Mais de 100 escolas, segundos os sindicatos, aderiram à greve. Nem os alunos nem ninguém deu por isso... isto é, essas tarefas são tão irrelevantes no que respeita ao benefício dos alunos que ninguém se apercebe que elas não estão a ser feitas... pois, são tarefas para nos controlarem, que não acrescentam um átomo à qualidade do ensino e só nos tiram tempo para o que importa.
Ainda esta semana um colega me dizia, 'tenho 5 turmas, tenho que reduzir a quantidade de avaliações que faço senão não faço mais nada na vida'. Há colegas que têm tantas turmas, todas cheias de alunos, que já só fazem uma avaliação por período. Depois há disciplinas no básico onde reduziram o horário semanal a um bloco de aulas de modo que têm pouquíssimas aulas e não têm muito tempo para fazer avaliações, sobretudo com turmas de 30 alunos. Esses colegas chegam a ter 10 turmas! Como é que é possível fazer um trabalho sério nestas condições?
E é claro que um professor, a não que seja um daqueles exemplares que se limita a dar o manual palavra por palavra, e usar os materiais de exercícios das editoras, precisa de tempo semanal para ler, estudar, pensar em como melhorar os materiais, as aulas, etc.
Mas o ME não quer saber dos alunos nem do ensino para nada. Só quer poupar dinheiro com os professores e com as escolas e depois apresentar resultados mágicos. No ano passado na minha escola, por decreto, ao gosto do secretário de Estado e do ministro, experimentou-se o projecto de nas turmas do 7º ano nenhum aluno reprovar. Parece que uma série de directores/escolas fizeram esse favor ao ministro. Aquele desejo de agradar mesmo prejudicando os alunos...
Os alunos, desde que fossem a uma percentagem de aulas, passavam, mesmo que tivessem zero a todas as actividades. Se eu tivesse filhos numa escola onde isso se fizesse tirava-os de lá a correr... enfim, os alunos passaram com 9 negativas e coisas assim.
A questão é: para quê fazer avaliações se os alunos sabem de antemão, naquela idade, que passam de qualquer modo mesmo que não estudem, não trabalhem e não se esforcem o mínimo, que é o que efectivamente fazem, a quase totalidade, nestas condições?
Esses alunos estão este ano no 8º ano e é o caos, claro, mas calculo que para o ano deixe de haver avaliações no 8º e depois no 9º e por aí fora até ao 12º e quem sabe, na faculdade também, pois que estão a seguir os passos errados que se deram nas escolas há uns anos e desembocaram nestes disparates. Cada vez mais os professores são empurrados para serem maus profissionais e profissionais desleixados pelas políticas educativas.
Para quê a educação escolar, se se limita a ser um entertenimento com algumas curiosidades? Que sociedade de auto-indulgentes estamos a criar? Eu recuso-me a ser uma má profissional. Tudo aquilo que não acrescenta um átomo à educação dos alunos e me retira tempo para o que importa, ou é uma obrigação escrita em letra de lei ou não faço ou faço lá para as calendas. Tudo aquilo que penso prejudicar os alunos, não faço. E aquilo que penso ser importante para a educação dos alunos faço. Mas cada vez o faço mais cansada e farta das pessoas que decidem as políticas educativas e sacrificam os alunos em troca de carreiras políticas e vaidades, sem conhecimentos mas cheios de si e das suas ambições.
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