Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Quase meio milhão numa sociedade de 10 milhões é muita gente. Jovens em idade fértil e cheios de vontade de trabalhar abandonaram o país. Imensos já não voltarão, não só por não terem cá possibilidade de vida (com esta austeridade só há emprego para os amigos e os amigos dos amigos) mas porque lhes fizeram sentir que não eram bem vindos. Foram empurrados daqui para fora, não têm sentimentos de pertença com um país que lhes diz, 'não temos lugar para vocês', 'desimpeçam a loja', como disse o outro advogado aos jornalistas...
Aqui há tempos discuti com um amigo acerca desta questão da emigração jovem porque ele me dizia que pôs a filha a estudar em Inglaterra e eu disse-lhe que achava mal, em termos de devermos contribuir para o desenvolvimento do nosso país e não do dos outros. E ele olhou para mim como se eu fosse um extra-terrestre, pois estava à espera de elogios e tenho a certeza acha que sou naif e não entendo as coisas práticas da vida. Mas eu acho que ele é que não as entende.
A verdade é que qualquer porcaria de universidade ou politécnico estrangeiro tem uma aura que se deve, sobretudo, a que nós próprios, em vez de lutarmos pelas nossas universidades, lutamos pelo emblema das outras. Temos universidades tão boas como as dos outros e se muitas ainda não o são, podiam ser, porque que as diferenças estão apenas em que algumas dos outros têm acesso a pessoas, leia-se, facilitadores de empregos e negócios que as nossas não têm. E porquê? Porque construiram uma reputação. E nós o que fazemos? Destruímos continuamente a nossa para alimentar a deles.
Enfim, ele respondeu-me que cada um tem o direito de ir estudar para onde quiser e achar que lhe dá mais vantagens na vida. Claro que tem, isso é indiscutível, mas depois não venha queixar-se da falta de qualidade do ensino se é o primeiro a actuar em seu desfavor. Uns mandam-nos para Paris, outros para Londres ou para a Alemanha... Como é que pessoas que têm responsabilidades políticas e falam sobre o rigor do ensino e do trabalho em Portugal são os primeiros a voltar as costas ao que é nosso? As pessoas querem mudanças mas não querem ser elas a mudar...Se cada um só olhar o seu umbigo este país não tem futuro.
Já acho mal esta espécie de endeusamento que se faz de uma ou duas universidades no país por causa dos 'facilitadores de negócios que lá estão a dar aulas onde contam episódios da sua vida e das suas relações de poder...' como se todas as outras não prestassem... acho que tem consequências negativas para o país esta mentalidade elitista pouco exigente e nada democrática de 'pop stars' em tudo que diminui a maioria.
Eu sou professora e dou aulas e vejo imensos alunos com inteligência e vontade e sei que a maioria não tem hipótese nenhuma neste país de cunhas e elites míopes e extremamente egoístas.
Não sou contra ir estudar fora e acho o programa Erasmus das melhores ideias que tiveram na UE mas não estou a ver empregadores em Inglaterra, Alemanha, Suíça, França, etc., preterirem um candidato a um emprego por não ter estudado ou feito um Erasmus em Portugal ou em Itália ou em Espanha... não nos valorizam - no entanto, vêm cá buscar médicos, engenheiros, gestores, enfermeiros... mas a reputação de grandes instituições de ensino querem-na para eles porque aquilo é um negócio de muitos milhões. E nós somos cúmplices. Formamos gente de grande qualidade mas alimentamos o negócio deles à custa do nosso próprio.
Em Portugal não se aposta nos portugueses, nas instituições portuguesas, no valor dos portugueses e em vez disso aposta-se no valor dos outros e nos interesses dos outros e isto parece-me imperdoável de tão medíocre, provinciano e prejudicial para o país.
Em contrapartida tenho um amigo que é professor catedrático numa universidade em Lisboa e que anda a fazer em colaboração com um italiano [acho], um programa de doutoramentos de universidades de países do Sul [mais a Suíça] justamente para credibilizar as nossas instituições e fazer concorrência à hegemonia dos doutoramentos 'star' das universidades inglesas, alemãs, etc., para ver se em vez de ir tudo a correr para lá começam a valorizar o que têm e a criar raízes e riqueza nos seus próprios países. Acho isto de grande visão e de imenso valor. Infelizmente são poucos os que assim vêem as coisas.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.