Alagoas Brancas em «risco de colapso» diz estudo da Almargem

Construção na zona húmida de Lagoa, provocaria, além da falência dos ecossistemas, o «colapso dos terrenos, a contaminação das águas e inundações».

O estudo «Valorização das Zonas Húmidas do Algarve», promovido pela Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, revela que as Alagoas Brancas, em Lagoa, no Algarve, «têm uma riqueza de vida selvagem elevada e que a construção naquele local representaria um risco de colapso em caso de excesso de carga, um risco de contaminação dos aquíferos e uma elevada probabilidade de inundação em toda a área urbana, em caso de desaparecimento da zona húmida».

«Após a apresentação da investigação quaisquer dúvidas que pudessem existir sobre a importância da preservação destes espaços naturais no Algarve, foram dissipadas. Uma das grandes surpresas do estudo foi o observado nas Alagoas Brancas, em Lagoa, principalmente pelo facto da riqueza natural da Lagoa dos Salgados e Foz de Alcantarilha e a Foz do Almargem e Trafal serem já mais conhecidos e mais evidentes devido à própria dimensão dos espaços em questão», diz Anabela Blofeld, porta-voz do Grupo Salvar as Alagoas Brancas, coletivo ambientalista informal que está a enverar esforços para salvar aquela zona sensível.

Apesar da sua pequena dimensão, «as Alagoas Brancas revelaram-se bastante ricas em vida selvagem, nomeadamente em espécies com estatutos de proteção elevados, podendo esta zona vir a ser considerada de importância internacional».

Isto porque o estudo identifica 114 espécies de aves diferentes. A zona alberga cerca de 1 por cento da população regional (Mediterrâneo, Mar Negro e África Ocidental) da ibís-preta (Plegadis falcinellus), o que potencialmente classifica as Alagoas Brancas ao abrigo da convenção de RAMSAR.

O zona apresenta um vasto leque de espécies de aves aquáticas ao longo do ano, sendo de destacar a nidificação do camão e engloba ainda habitats naturais e semi-naturais, tendo sido registada a presença de Crypsis aculeata, uma planta pouco comum em Portugal.

As Alagoas Brancas albergam oito espécies de artrópodes com valor de conservação, como crustáceos, borboletas diurnas, libélulas e libelinhas, e 18 espécies de répteis, sendo de salientar a presença de duas espécies com estatuto de conservação desfavorável: o cágado-de-carapaça-estriada classificada como «Em Perigo» e a Osga-turca classificada como «Vulnerável». Foram ainda identificadas serpentes, osgas, lagartixas, o camaleão e a cobra-cega.

Muitas espécies encontradas nas Alagoas Brancas têm o estatuto de «quase ameaçadas» o que, para o grupo ambientalista, deveria obrigar «as ntidades competentes a ponderar pesadamente todas as medidas que possam para lá ser pensadas»

Isto porque a linha entre o «quase ameaçadas» e o «ameaçadas» é «muito ténue e quando uma espécie deixa de existir, não há solução».

De acordo com Ana Marta Costa, bióloga e membro do grupo de cidadania «A última janela para o mar», «a proposta da Câmara Municipal de Lagoa de relocalização das Alagoas Brancas é ridícula e impraticável».

Além da riqueza da biodiversidade das Alagoas Brancas, o estudo da Almargem trouxe ao conhecimento público, os perigos que acarreta a construção no local: «colapso, contaminação das águas e inundações».

«Por ser uma zona cársica com placa tectónica ativa, pode acontecer o colapso dos terrenos por excesso de carga na superfície, o que representa uma real ameaça à zona em caso de construção. Devido às características cársicas existe ainda o risco de contaminação dos aquíferos», justifica ao grupo com base no estudo da Almagem.

Ibís-preta (Plegadis falcinellus) fotografada nas Alagoas Brancas (por Carl Hawker).

Na verdade, «a zona húmida das Alagoas Brancas gera um efeito de esponja para o excesso de águas pluviais, pelo que, o seu desaparecimento resultaria numa elevada probabilidade de inundação em toda a área urbana baixa de Lagoa».

De acordo com Ana Marta Costa, bióloga e membro do grupo de cidadania «A última janela para o mar», «a proposta da Câmara Municipal de Lagoa de relocalização das Alagoas Brancas é ridícula e impraticável».

A bióloga sublinha que «as zonas húmidas são os mais ricos, complexos e produtivos ecossistemas da biosfera, representam um papel importante na filtração das águas, na regulação hídrica e climática e não podem ser recriadas pelo Homem. Tudo está interligado».

Para Ana Marta Costa, «não se pode reconhecer a problemática das alterações climáticas, como fez a autarquia de Lagoa com o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas no sul do país (PIAAC-AMAL) e a seguir, autorizar a destruição de um habitat que contribui para o equilíbrio do clima».

O sítio das Alagoas Brancas é hoje, «a única zona restante de uma antiga zona húmida maior que está na origem do nome da cidade e concelho de Lagoa. É uma identidade cultural, ambiental de grande potencial económico que deve ser protegido e não, destruído. Para não falar das questões de risco de inundação, colapso de terrenos e contaminação dos aquíferos que a construção naquela zona húmida acarreta. Se há algo que dever ser relocalizado é a construção e não o habitat!», considera a bióloga.

O Grupo Salvar as Alagoas Brancas sugere que seja criado no local um parque urbano público e uma reserva natural.

As Alagoas Brancas «têm um valor turístico de características únicas que mais nenhum concelho vizinho tem, ideal para a observação de ave, ponto estratégico de birdwatching e uma opção viável para o combate à sazonalidade», conclui Ana Marta Costa.

O estudo «Valorização das Zonas Húmidas do Algarve» resulta de uma candidatura aprovada ao Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e Transição Energética.

O documento apresenta um diagnóstico detalhado de três zonas húmidas da região algarvia: a Foz do Almargem e Trafal, em Loulé; a Lagoa dos Salgados e a Foz de Alcantarilha, em Albufeira e em Silves; e as Alagoas Brancas, em Lagoa.

A apresentação oficial decorreu na quinta-feira, dia 6 de junho, no Auditório da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR Algarve), em Faro.

Na apresentação, estiveram presentes um representante da Câmara Municipal de Silves, o presidente da Câmara Municipal de Loulé Vítor Aleixo, o deputado socialista Luís Graça, o diretor regional do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a vereadora do ambiente da Câmara Municipal de Lagoa.

O Grupo Salvar as Alagoas Brancas teme que se nada for feito, esta zona húmida será destruída.

Segundo Anabela Blofeld, porta-voz do Grupo Salvar as Alagoas Brancas, o discurso do presidente da Câmara Municipal de Loulé «foi o mais aplaudido, pelo destaque dado à força e prevalência da vontade política contra os poderes económicos instalados quando apoiada por sólidos conhecimentos científicos, à necessidade de novas abordagens na gestão do território, à luz de uma nova consciência do estado atual do planeta e à emergência climática».

Em contraste, o discurso da vereadora do ambiente da Câmara Municipal de Lagoa «foi o que causou maior polémica e reação da sociedade civil presente, pela abordagem populista, pela insistência na proposta alternativa de relocalização da lagoa e pela afirmação que nem o ICNF, considerava as Alagoas Brancas, uma zona protegida, afirmação que coloca em causa a veracidade e credibilidade de todo o estudo ali apresentado pela Almargem».