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A escola é um local social e é um local de aprendizagem. As notas dos alunos não classificam a pessoa do aluno mas o seu trabalho, ou a falta dele. Esconder os nomes dos alunos para não se saber quem teve qual nota, parece-me ter consequências negativas, sendo que não vejo nenhuma positiva:

 

1. os alunos, em vez de aprenderem a conviver com os seus sucessos e fracassos, os seus pontos fortes e fracos, aprendem que as notas os catalogam enquanto pessoas, são motivo de vergonha ou orgulho e por isso devem esconder-se: porque provocam o escárnio ou a inveja. Isto é muito anti-pedagógico. Em vez de educar-se para a sociabilidade educa-se para o isolamento. A pessoa isolada e sem termo de comparação não tem noção das suas qualidades, se precisa melhorar um pouco ou se está muito longe do melhor. Nós vamos aferindo de nós mesmos, também pelos outros.

 

2. as turmas são grupos sociais e são avaliadas. Onde há avaliação existe a questão da justiça. A justiça relativa da turma. Se as notas, em vez de públicas são privadas como é que um aluno pode aferir dos critérios de justeza do professor? Isso é dar um poder enorme e isento de crítica ao professor, o que não me parece bem. As notas dos alunos também reflectem a qualidade do trabalho e a honestidade do professor e a sua oclusão afecta o trabalho e a relação com os alunos e até entre professores.

 

3. nos níveis mais baixos de ensino, uma má nota na pauta é um grande incentivo para estudar e uma boa nota é uma prova merecida de um esforço feito. Ambas têm valor pedagógico. Esconder as notas é nivelar por baixo, é ensinar a uns que devem disfarçar o seu esforço e sucesso para não incomodar os que não se esforçam e ensinar os que não trabalham que o seu não trabalho não tem consequências nenhumas.

 

Entretanto dão-se prémios de quadro de honra aos alunos que tiveram boas notas, o que não me parece bem, porque isso é que é dar a entender que a escola aprecia mais uns que outros. O que me parecia bem era haver uma cerimónia de graduação que incluísse todos e não cerimónias exclusivas. Também acho interessante o quadro de mérito independente das notas: mérito por ajudar os colegas, por ser uma pessoa dialogante que resolve conflitos, enfim, por questões de comportamento e não de notas. A escola é também um local de formação do espírito.

 

As notas devem ver-se com naturalidade. Uns estudam mais que outros, uns são mais organizados, outros mais criativos, uns são muito bons no cálculos mas menos bons nas línguas, por exemplo. Isso é normal, assim como é normal que tenham classificações a condizer com esses esforços e talentos. O que não é normal é incentivar-se a vergonha de não serem Leonardos da Vinci.

 

Parece-me que hoje em dia se educa para a inveja. Criou-se a ideia de que o direito à educação é um direito ao certificado. Por essa ordem de ideias, acabe-se com a escola ou com os programas. Se os alunos querem aprender a fazer gomas, pois é isso que aprendem...  que diabo, a educação não existe sem constrangimentos, sem experiências positivas e negativas, sem sucessos mas também fracassos. Fala-se muito em ensinar o espírito crítico mas furtam-se os alunos a todas as situações passíveis de auto-crítica para eles não se sentirem mal. Que tipo de pessoas se está a educar?

 

Compreendo que este governo, querendo poupar dinheiro de modo obsceno com os serviços públicos para engordar a banca e os amigos, tenha, a certa altura, entendido que o melhor seria mandar passar todos os alunos de qualquer maneira para garantir números de sucesso, porque passar todos justamente, isto é, fazendo com que a passagem e as notas correspondam a saberes e conhecimentos construídos (coisa que os mais desfavorecidos precisam muito se querem não estar cinco gerações na pobreza), custa muito dinheiro em investimento. Ora, a escola tem sido sujeita a desinvestimento. Não há milagres: para se ter níveis de sucesso é preciso investir e não é possível desinvestir e, simultaneamente, ver tudo a melhorar. Logo, manda-se passar todos e manda-se esconder a realidade...

 

 Na saúde, como são casos de vida e de morte imediata e não a longo prazo e por isso, não dá para disfarçar, o desinvestimento levou ao caos que se está a ver por todos os lados. Na educação as coisas não se vêm logo porque as pessoas levam tempo a crescer e a chegar ao mercado de trabalho mas, hão-de ver-se. 

 

Isto é uma traição que se faz a estes alunos disfarçada de boas intenções. E os pais acreditam, claro está, pois o que querem é que os filhos passem sem chatices.

 

O que é mais difícil de compreender são os directores das escolas, em vez de lutarem contra este miserabilismo de dar peixes podres em vez de ensinar a pescar como diz o ditado, só para poupar dinheiro para enfiar em bancos e Salgados e Berardos e boys, embarquem alegremente nestes logros, com o argumento de que lá fora também se faz. Mas não lêem os jornais, não se dão conta que a decadência da educação é geral, que lá fora as coisas estão também a rebentar? 

 

Só um pequeno exemplo: em França os professores fizeram greve às correções de exames e o ministério recorre a cortes no salário e outras ameaças. Por cá o silêncio da comunicação social acerca do assunto é tumular... pois... queremos é folhas de excel a dizer que vai tudo bem.

 

Escolas apagam nomes dos alunos nas pautas com medo de multas

 

publicado às 20:56



no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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