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Os alunos dantes (estou a generalizar, claro) iam à escola e às aulas para aprender e para evoluir enquanto pessoas. Eram estudantes; agora vão à escola e às aulas para terem uma experiência emocional positiva. São clientes. Tal como dantes se fazia uma viagem para conhecer novas culturas, para confrontar as nossas crenças e hábitos e agora se fazem viagens para ter experiências positivas que deixem memórias agradáveis e fotos com ar de sucesso e felicidade.

 

 

Como qualquer cliente, os alunos não estão para fazer uma viagem e no fim a experiência não lhes deixar memórias agradáveis. Daí os bailes de finalistas, nas escolas, as festas de caloiros e as galas, nas universidades. Os alunos esperam de nós que compareçamos  a esses bailes, à laia de treinadores em final de época, a fazer o seu elogio apoteótico para dar um final feliz à 'experiência da escola' e os deixar emocionalmente reconfortados consigo mesmos.

Os meus alunos das minhas DTs ficaram um bocado chateados comigo por eu não ir ao baile de finalistas. Disse-lhes que não vou a essas coisas, que aquilo é uma festa deles e não da escola. Mas eles queriam que eu fosse e fizesse um discurso [inflamado] de elogio a dizer que gosto deles... eu disse-lhes que eles sabem muito bem que gosto deles e que não é preciso ir a um baile fazer discursos para isso. Ahh... mas é que eles queriam que eu o dissesse em público, numa espécie de final feliz à filme americano. Lá está, a escola vale menos por ser um lugar de apendizagem e mais por ser um lugar de experiências emocionais positivas. Um lugar onde os clientes vão para se sentirem bem com eles e com a vida e, acima de tudo, sentirem-se pessoas de sucesso.

Não quer isto dizer que uma pessoa despreze a importância da escola dever ser um lugar de espírito positivo e não negativo, mas isso é diferente da escola ter algum dever de corresponder aos desejos dos alunos de serem groomed como clientes num cruzeiro. Nem a escola é uma viagem de recreio, nem o professor é um director de cruzeiro. Se a primazia da experiência escolar é o conforto emocional, ela não fará o seu papel de formar pessoas críticas pois para isso é preciso desafiar, desassossegar e até incomodar, o que, naturalmente, dá origem a desconforto emocional e a periódicas sensações de desajustamento, insucesso e dificuldade. 

 

[Já hoje mesmo, pelo menos na disciplina de Filosofia, a maioria dos manuais deixou de trazer os textos dos filósofos, talvez por serem exigentes, obrigarem ao esforço e ao desconforto e 'estragarem' a experiência do cruzeiro. São sebentas dogmáticas. Os próprios professores são tratados, nesses manuais, como pessoas menores, incapazes de fazer o seu trabalho. Já trazem todos os materiais, fichas de trabalho, que filmes se devem ver e o que dizer em cada um deles, alguns chegam ao ponto de trazer à margem, falas para o professor reproduzir quando tem que explicar este ou aquele conceito, como se não fosse o nosso trabalho, justamente, pesquisar, estudar, fazer fichas, pensar em como explicar esta ou aquela ideia... isto acontece porquê? Ahh... porque não se quer incomodar o professor com essa coisa de preparar aulas -que nem sequer são a parte mais importante do cruzeiro- porque ele precisa é de gastar tempo a cumprir burocracias jurídicas não-pedagógicas: trabalhar para os papéis.]

 

Não é de espantar que hoje em dia tantos alunos e pais passem a responsabilidade do seu comportamento para o professor e tantos se queixem da escola e dos professores: é que vêem-se a si mesmos como clientes com direito a tratamento VIP em cruzeiro de recreio que lhes proporcione uma boas selfies com os amigos para memória futura.

Esta visão da escola e da educação, que não é apanágio da sociedade portuguesa, deriva da ausência de um pensamento sério sobre o que é a educação e da sua submissão a critérios culturais [a cultura mainstream é o que se sabe: casas de segredos, novelas e reality shows] e economicistas, de modo que em vez de se imprimir certas dinâmicas na educação deixa-se que ande à deriva das forças que dominam as sociedades. Daí a decadência em que se encontra o ensino, a espelhar a decadência da sociedade, não só nas escolas, mas também nas universidades, sendo que estas foram, e são, cúmplices, desta transformação das escolas e dos alunos.

 

 

publicado às 05:27


12 comentários

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De nuno a 08.06.2015 às 11:49

Olá. Para mim, a escola foi um espírito positivo a partir da preparatória, altura em que os professores me adoravam e tentavam explicar-me tudo a bem. Na escola primária, a minha mãe como professora, não me quis levar para a escola dela, para que as amigas não pensassem que eu passava por ser aluno dela ou não. Nesse tempo, uma amiga foi professora do filho, uma prima professora da filha, outro amigo foi aluno da mãe dele, a minha mãe fez as coisas de maneira diferente. A partir do segundo ano de escolaridade, a professora já tinha mais de 60 anos, era má. Eu já não gostava muito de matemática e todos os dias ela mandava-me ao quarto, fazer as contas. Como eu não sabia, ela todos os dias me batia. Durante dois anos e tal, foi assim. De má, ela nem deixava a turma divertir-se no dia mundial da árvore. Ficávamos dentro da sala. Na altura, dizia isso á minha mãe, que ela me batia todos os dias. Se fosse outatiro ao quadro, talvez eu aprendesse mais, vendo como o outro colega, faria as contas. Há mais de 15 anos que a minha mãe já diz e reconhece que esteve errada em não tirar-me daquela escola, daquela professora. Todos os dias me mandava ao quadro e todos os dias me batia. Nas outras disciplinas, na escola primária não era mau de todo. Nos ditados não dava nenhum erro e por aí fora. Quanto a mim, os professores têm de cativar os alunos, mas existem professores que nem sabem o que é cativar... beijos e um abraço. não é bem o tema do post, o meu comentário, mas gosto de desabafar
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De beatriz j a a 08.06.2015 às 12:16

Nessa altura achava-se normal que os professores batessem nos alunos para aprenderem melhor... a minha professora da primária distribuía bofetadas, regadas e puxões de orelhas a toda a gente. Lá nisso era democrática... tanto fazia saber tudo e ser excelente como não saber nada que levavam todos, que era para verem quem é que mandava ali. Todos os dias eram dias de levar. Aliás, acontecia que punha os melhores alunos à frente e os maus alunos na fila de trás para não ter que lhes ligar, de modo que os melhores alunos levavam mais que os outros. Um dia rasgou a orelha a um aluno com um puxão. Mas era a ideia que se tinha de disciplina na época...
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De beatriz j a a 08.06.2015 às 12:50

À medida que os alunos vão crescendo também eles têm que cativar os professores. O trabalho é um trabalho conjunto, não é unilateral.
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De Luna a 09.06.2015 às 00:28

Enquanto aluna, acho que discursos à filme num baile de finalistas são desnecessários, não entendo qual é o objetivo de ter de dizer isso em público, acho bem os professores fazerem no final do ano, a dar alguma força, mas em público, bem, não vejo a necessidade...
Olhe, eu sinceramente sempre vi a escola como um lugar que me faculta conhecimento e possibilidade de seguir o que quero, é como uma intermediária...Nunca fui muito de ir à escola para estar com os amigos e assim, claro que estou com os meus colegas nos intervalos, mas o objetivo principal nunca foi bem a confraternização, na maioria das vezes sentia-me melhor sozinha no meu mundinho de livros do que com conversas sem sentido...Não fui ao meu baile de finalistas, não achei que tinha muito sentido para mim, ir ser uma pessoa que não era, estar com gente com quem não construí grande ligação emocional nestes anos, bem, não me arrependo de não ter ido, embora as pessoas me tivessem dito que me iria arrepender (ainda devo estar a tempo, mas para já não). Sabe, nestes dias tenho pensado um bocado nisto de não ter construído ligações emocionais fortes ao longo destes anos, não é que eu seja uma pessoa que não gosta de companhia (ninguém é uma ilha), acho que nunca encontrei aqui alguém com quem eu tivesse uma similitude de pensamento e pronto, fui-me sentindo cansada das conversas inúteis (para mim)...
Mas sim, concordo quando diz que para muitos alunos a escola é uma espécie de cruzeiro...É, muitos só vão passear os livros...
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De beatriz j a a 09.06.2015 às 06:36

As pessoas são diferentes e nem todas gostam de andar rodeadas de gente e o facto de não ter construído ligações emocionais nesta fase não significa que não venha a construí-las nas seguintes. Há pessoas que preferem dar-se com 2 ou 3 pessoas com quem sintam uma semelhança nos gostos e interesses e por vezes é difícil encontrar essas 2 ou 3 pessoas. Nem sempre estão à mão. Uma pessoa introvertida como é o seu caso tem sempre tendência para se virar para dentro mais que para fora.
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De Luna a 10.06.2015 às 01:42

Pois é, é complicado encontrarem-se essas pessoas...As que eu encontrei (graças à internet e ao acaso) vivem a centenas de kilómetros de mim, uma coisa ótima...Mas pronto, espero que nas minhas etapas seguintes consiga construir ligações mais fortes que estas, mal de mim se não o conseguir...
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De beatriz j a a 10.06.2015 às 10:43

Não sou daquelas pessoas que acham que as relações via internet não são reais. Antes da internet também acontecia as pessoas estabelecerem relações por carta. De certeza que quando entrar na universidade, sendo um universo mais alargado do que aquele em que agora vive, vai encontrar pessoas com quem se há-de identificar e estabelecer outro tipo de relações.
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De Luna a 12.06.2015 às 21:36

Eu não acho que não sejam reais...Eu preocupo-me com as pessoas que conheço na internet (isto claro, num estado de conexão já instalado), porque temos coisas em comum e a relação frui mais facilmente do que com pessoas que não se tem nada em comum, como é natural...
Sim, muito mais alargado, quer dizer, eu ando numa escola em que uma turma de 12º tem no máximo 20 alunos...É um meio pequeno. Decerto que irei notar muita diferença quando for para uma cidade...
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De beatriz j a a 12.06.2015 às 21:41

Mas é uma boa diferença :)) Alargar horizontes é sempre bom. Conhecer coisas novas. Descobrir. É uma etapa gira. Mais autonomia, outros interesses. Fun :))
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De Luna a 15.06.2015 às 14:08

Espero bem que sim! :) Mais autonomia de certeza mesmo...
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De beatriz j a a 15.06.2015 às 17:54

Claro, é outra coisa :))

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