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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Hoje acordei às duas e meia da manhã com uma frase na cabeça, de um site que me manda emails de publicidade. A fraze dizia, 'por favor não volte a incomodar-me na minha conta'. A coisa foi tão real que fiquei perplexa e levantei-me, abri o portátil e fui ver se tinha lá algum email do site a dizer aquilo. Não, claro, o que tinha era um email a tentar-me com artigos para compra. Deitei-me outra vez [convencida da justeza da teoria de Freud segundo a qual os sonhos são a realização de desejos]. Não sei se por causa disso mas quando voltei a acordar decidi que daqui até Maio não compro nada de nada a não ser alimentação e outras coisas de saúde e sobrevivência. Não vou aos saldos, não quero saber de compras, estou à dieta de compras. Excepto livros, claro, que disso não faço dieta.
Resolvi fazer as contas ao que gastaria em livros e outros artigos culturais, se de facto pagasse por todos os produtos culturais que consumo. Interesso-me por cerca de três livros por semana, dos quais leio um, pelo menos. Os livros custam em média, 25 a 30 euros, quando novos e, não sendo técnicos, pois esses custam 100€, ou mais. Se os comprasse gastava cerca de 300 por mês.
Se pagasse aquilo que os jornais e algumas revistas pedem de assinatura (online), cerca de 5 a 7 euros mês, era uma renda de 100 euros por mês a acrescentar ao outro preço porque tenho nos meus favoritos cerca de 80 jornais que leio com regularidade, pelo menos uns doze por dia. Junta-se mais um ou dois filmes por mês, uma ida a um museu de dois em dois meses, um concerto, mês sim, mês não (cada bilhete custa entre 40€ a 60€) e, tudo isto, sem entrar com os milhares de música que ouço por mês; ou seja, os gastos apenas com ler, ir ver uns filmes e ouvir música davam qualquer coisa como 600 ou 700 euros euros por mês. São 8500€ por ano. Mas eu ganho lá para isso...?
Se os jornais e revistas e sites de música me pedissem 50 cêntimos por mês eu pagava mas 5 ou 7 euros não posso pagar. Uma pessoa com interesses culturais não lê um jornal ou uma revista apenas, vai buscar informação a muitas fontes: lê uns 30 ou 40 jornais, lê umas 3 ou 4 revistas por semana (estou a falar em formato digital); ouve música de várias fontes, vê vários filmes. Não é possível pagar mais do que cêntimos pelo acesso a cada uma das coisas, a não ser que se tenha um orçamento de 800€ ou 1000€ por mês para gastar, só em produtos culturais. O meu patrão paga-me mal, deixa-me congelada por dezena de anos, sobe-me o preço de tudo e nem me deixa descontar os livros nos impostos...
Portanto, como a cultura é um luxo, se não somos ricos temos que arranjar maneira de aceder às fontes de outros modos ou conformarmo-nos em ser ignorantes e alienados.
No primeiro dia de aulas do 2º período conversei com umas alunas da turma do 11º ano que gostam imenso de ler. Estiveram a dizer-me o que tinham lido nas férias e trocámos impressões sobre a própria experiência de ler e gostar de livros. Depois as miúdas (duas delas tocam instrumentos e gostam de música clássica) disseram-se que não lêem mais e não vão a concertos porque a família não tem dinheiro para esses luxos. É triste... vivemos num país onde quase tudo o que não seja o pão para comer é um luxo: a cultura, a educação, a saúde, tudo é um luxo. Não admira que as pessoas leiam pouco, frequentem pouco o cinema e arranjem maneira de ver filmes e ouvir música sem pagar.
Quando morei em Bruxelas, o museu de Belas Artes, que é do Estado, não cobrava entradas. Tinha uma espécie de mealheiro gigante no hall de entrada onde pedia para se deixar um donativo, coisa que a maioria fazia mas que quem não podia não o fazia. O que quero dizer é que qualquer pessoa, mesmo um pedinte podia entrar no museu e instruir-se, educar-se, apreciar arte, ler qualquer coisa interessante. Também havia uma política dos livreiros onde um livro, passados seis meses da sua publicação, podia ser editado em versão barata, de bolso e, posto à venda por uma ninharia. É por isso que era vulgar, no metro, ver operários a comprar um livro por um euro e ir a ler até casa. Cá os livros em saldo custam 23 euros... ... no nosso país, a cultura é um luxo. Daí a quantidade de ignorantes por toda a parte.
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