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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Alguns actos calam-nos completamente porque são duma coragem, duma bravura destemida e prova de um tão grande coração que ficamos sem palavras a sentirmo-nos pequenos. A vida não é justa e os mais nobres são as primeiras baixas. Noutro registo, parece-me que a história da Europa tem muito a ver com este facto das instituições terem sempre, ou quase sempre, sido erigidas e governadas pelos sobreviventes de guerras, ou seja, geralmente os piores: os que se venderam, prostituiram, colaboraram e trairam para sobreviver.
É que alguns dos melhores vão-se embora cedo demais e ficarem por cá os piores a fazer mal.
stephanie tabram
Quem nos desenhou os passos
antes da caminhada
obriga-nos a equilíbrio de braços
para compensar a passada
Se o sofrimento se mede
em dias de desesperança
quem do mundo se despede
desistiu de ser criança
Oh Universo infinito
que cabes dentro de nós
diz-me que nada está escrito
diz-me que não estamos sós!
bja
Estive a ver este documentário, 'The Transcendent Man'. É acerca das visões, predições de Ray Kurzweil, um engenheiro premiado, um inventor prolífero, um visionário. Muito marcado pela morte do pai aos 55 anos, um músico que não teve oportunidade de mostrar o seu génio, vive obcecado com a ideia de transcender a morte, através da tecnologia. Muito do que ele fala no filme já se faz embora esteja ainda no início.
A morte, de facto, é terrível. Não o desaparecer do corpo físico, biológico, mas o desaparecer da pessoa. É certo que por algum tempo ainda vive, na memória de outros e nas obras que deixou feitas, a marca que deixou no mundo. Mas é uma tragédia em muitos casos o perder-se a pessoa, aquele vasto depositório de conhecimentos, de sabedoria, de experiências, de inteligência, de vida... É um desaparecer absoluto porque não há repetição, nem substituição. Não haverá outra pessoa igual com a mesma experiência de vida, a mesma visão do mundo, da beleza das coisas e dos seres, a mesma emoção, a mesma identidade. É um desaparecer absoluto e é preciso passarmos por uma perda dessas para lhe compreendermos o total significado.
Por outro lado, imagino uma vida de centenas de anos sempre com as mesmas pessoas hipócritas e falsas, os mesmos problemas, as mesmas guerras...que inferno. Teríamos que emigrar para outros planetas.
O MET tem um concurso a decorrer sobre detalhes de obras de arte. Alguém mandou para lá este detalhe da escultura que se vê em baixo, onde a morte vem buscar o escultor na força da vida. O detalhe é dramático: vê-se a mão firme e cheia de vitalidade do Escultor a agarrar o cinzel a contrastar com a mão do Anjo da Morte, duma grande suavidade, que vem interromper o trabalho, que é a vida, como se lhe dissesse, 'pára, está na hora de parar'. É comovente e duma grande beleza este detalhe da obra.
Daniel Chester French's "O Anjo da Morte e o Escultor"
Descobri que a lei não reconhece o direito à falta justificada em caso de morte de familiar a não ser em linha recta. É triste, vivermos numa sociedade que não valoriza os ritos culturais familiares dos povos.
Pus-me aqui a ler as Recordações de um Carrasco de Paris, da colecção Os Malditos (esse volume que aí se vê em cima). Bela coisa para se ler no dia da paz..(acho que hoje é o dia da paz..?). Enfim..o livro é muito interessante.
O carrasco que escreve as memórias começou o seu ofício em 1858 e avisa, à laia de prólogo que não revela o nome para não inspirar terror, e que o que o levou a escrever é o facto de ter assistido ao último momento e últimas palavras de muitas 'vidas', como ele diz, e de achar que retirou ensinamentos verdadeiros da sua profissão que outros poderão aproveitar.
E, de facto, assim é, e isso é o que torna o livro tão interessante: o carrasco que o escreve é um homem inteligente e como teve a oportunidade de lidar com muitas pessoas no momento mais vulnerável e dramático das suas vidas, o que observou deu-lhe um conhecimento sobre a natureza humana, sobre a Psicologia humana, diríamos hoje. É culto também, porque lida muito com médicos, padres e cientistas que se interessam pelo estudo do homem físico e psicológico. Descreve em pormenor o estúdio laboratório de um frenologista também amador de anatomia e neurologia que faz experiências com animais para provar que todo o comportamento depende do cérebro.
O livro está cheio de reflexões sobre o modo como a mente lida com situações de extremos stress, ansiedade, medo, etc. Por exemplo, sobre dois indivíduos que são executados um a seguir ao outro na guilhotina, por razões de traição à pátria, ele descreve o comportamento de um deles que está na cela o tempo todo a cantar como 'uma maneira de se atordoar' face ao que o espera. Muito interessante: nestas poucas palavras temos uma visão clara do prisioneiro na cela a ver o cadafalso pela janela e a cantar muito alto como modo de não parar para pensar e realizar em consciência o horror que o espera. A descrição das pessoas é sempre psicológica, de traços que, segundo ele, revelam sinais do seu carácter psicológico.
O livro está cheio destes insights. Para além disso vê-se o respeito que ele tem, não aos criminosos, mas à gravidade do ofício que exerce. Fala sempre com o maior respeito da lei, e tem certos rituais que o defendem, a ele próprio, da bebida, da loucura (o que hoje chamamos depressão) e do vício que acometem muitos que trabalham como carrascos. No dia da execução compenetra-se da gravidade do acto, sente -diz ele- sempre uma emoção triste quando monta a lâmina, veste um fato de luto e gravata branca por respeito à lei e depois da execução manda rezar uma missa pelo executado e toma um banho, para acalmar e recompôr-se das emoções.
Muito interessante o livrinho, porque surpreende: não é assim que imaginamos um carrasco.
Sim, trato a morte por tu
ela também me tuteia
espreitamo-nos uma à outra
a ver quem primeiro fraqueja.
bja,
da série, comeo chocolates a mais e começa a dizer disparates
Cheiro à distância da vida o medo
disfarçado de enjoo da normalidade
contrito vai escondendo seu segredo
nos gritos e maldições à conformidade.
É medo, é medo, é tudo medo!
Cheiro-o, vejo-o nas entrelinhas
tu que não sabes que compreendo
fazes das tuas penas as minhas.
Amor que se entrega a morte mata
não por desfalecimento concreto
mas por sonho e ser que se basta
como um e outro em mesmo peito.
bja
É difícil ler este artigo do new York Times sem se ficar extremamente perturbada. Como se diz logo no início, até as famílias mais pobres têm fósforos e óleo alimentar e é com eles que as mulheres afegãs pegam fogo a si próprias e se imolam como único modo de escapar duma vida de abusos e servidão. Nessa fotografia, o filho mais velho duma mulher que se imolou assiste comovido à morte da mãe que era, nas suas palavras, quem sustentava toda a família com o seu espírito e inteligência.
No Afeganistão, e no Irão também, as mulheres são vendidas, entregues para pagar dívidas, casadas aos oito dez ou quinze anos e têm uma vida de miséria e de abusos: os pais batem-lhes, os irmãos batem-lhes, os tios batem-lhes, mais tarde os maridos violam-nas e batem-lhes todos os dias, os sogros, os cunhados...enfim, toda a gente. Se fogem de casa e são apanhadas são fuziladas ou apedrejadas até à morte. Por vezes os maridos e os sogros pegam-lhes fogo e dizem que se suicidaram para casarem com outra. Por vezes são elas mesmas que o fazem. Calcula-se que a maioria das mulheres afegãs sofra de depressão e outros problemas associados.
Na sua ignorância, estas mulheres pensam que a imolação é o modo mais rápido e indolor de morrer..não se consegue ler este artigo sem chorar, porque isto é horrível. orrível e assustador quando tentamos pôr-nos na pele destas vivências.
Povos inteiros a crescer na violência e na humilhação. O problema da violência é 'o' problema mais grave do planeta: é uma educação para a morte, para a animalidade, para a negação de tudo o que é humano. É a vida reduzida aos instintos primários mais violentos e destruidores.
Um horror para o qual não há palavras.
Diante da morte todos somos virgens.
Hoje saí do prédio pela rua conhecida como a 'rua das tabernas' -embora já não tenha nem uma-, e pus-me a andar a caminho da escola. A meio da rua em frente à agência funerária estavam dois indivíduos a pôr um caixao no carro funerário. Enquanto um travava o caixão o outro pôs la dentro uma única coroa de flores.
O contraste do escuro do tempo e do caixão sozinho com uma coroa de flores comigo própria que passei por ele vestida de branco e laranja florido fez-me pensar 'aqui vou eu para os negócios da vida e ele/ela para os negócios da morte'. Mais à frente o caixão passou por mim e subiu a rua à minha frente. Quando passei à porta traseira do hospital lá estava ele outra vez, parado, já com algumas pessoas à espera. Por três vezes me 'tocou' hoje, esta morte.
A vida é uma coisa estranha mesmo. É uma excepção. O normal é o não-ser, não o ser. Nascemos, lutamos, sofremos, rimos, comemos, bebemos, estudamos, atarafamo-nos, escrevemos cenas em blogues, fazemos manifestações, amamos, zangamo-nos, alegramo-nos, caminhamos ao sol, fugimos da chuva, fazemos viagens, maravilhamo-nos com arquitecturas, lemos livros, apreciamos a beleza, gozamos o calor do sol, sentimos intensamente a música, o amor, a arte...e depois morremos e arrumam-nos numa caixa como fazemos aos sapatos e encaixam-nos numa prateleira qualquer com uma etiqueta para não nos confundirem com o do lado porque os ossos são todos mais ou menos iguais.
Se temos sorte vamos parar à terra e renascemos como papoilas ou malmequeres ou amores-perfeitos.
Alexander McQueen, um designer de moda inglês foi hoje encontrado enforcado em sua casa. Foi um dos primeiros a fazer roupas acessíveis para as mulheres trabalhadoras e não apenas para as estrelas de cinema e elites endinheiradas, como acontece à maior parte dos costureiros de renome.
Dizem os jornais ingleses que talvez não tenha suportado a morte de sua mãe que morreu no passado dia 2 e vai a enterrar amanhã. Talvez, mas não é isso que me faz pensar.
O que me faz pensar é a vida de sucesso dele. O indivíduo tinha 40 anos, estava no auge do sucesso, tinha sido condecorado pela rainha, tinha ganho vários prémios importantes, estava a dias de apresentar um trabalho novo na semana da moda inglesa.
Isto faz reconsiderar toda a noção de sucesso enquanto prioridade das sociedades ocidentais e ocidentalizadas. Sucesso, reconhecimento e dinheiro. Ele tinha tudo isso e, no entanto, essas coisas não parecem ter pesado na vontade de viver.
O ser humano é, em última análise, adiabático, e quando julgamos os outros, muito superficialmente, a partir das aparências, que são exteriores, estamos a privar-nos do acesso a um outro universo interior.
donato giancola
Ser ou não ser... Eis a questão.
Que é mais nobre para a alma:
suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso,
ou armar-se contra um mar de desventuras
e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?
Morrer... dormir... mais nada...
Imaginar que um sono põe remate
aos sofrimentos do coração
e aos golpes infinitos
que constituem a natural herança da carne,
é solução para almejar-se.
Morrer..., dormir... dormir... Talvez sonhar...
É aí que bate o ponto. O não sabermos
que sonhos poderá trazer o sono da morte,
que nos põe suspensos.
É essa idéia
que torna verdadeira calamidade
a vida assim tão longa!
Pois quem suportaria o escárnio
e os golpes do mundo,
as injustiças dos mais fortes,
os maus-tratos dos tolos,
a agonia do amor não retribuído,
as leis morosas,
a implicância dos chefes
e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente,
se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal?
Que fardos levaria nesta vida cansada,
a suar, gemendo,
se não por temer algo após a morte
- terra desconhecida
de cujo âmbito jamais ninguém voltou
- que nos inibe a vontade,
fazendo que aceitemos os males conhecidos,
sem buscarmos refúgio noutros males ignorados?
De todos faz covardes a consciência.
Desta arte o natural frescor de nossa resolução
definha sob a máscara do pensamento,
e empresas momentosas se desviam da meta
diante dessas reflexões,
e até o nome de ação perdem."
Shakespeare, Hamlet
Público
21.07.2009, Jorge Heitor Uma princesa saudita que teve um filho ilegítimo de um cidadão britânico recebeu em segredo asilo no Reino Unido, depois de ter dito que estava sujeita à pena de morte se fosse obrigada a regressar ao seu país, que é uma monarquia absoluta, contou ontem o jornal The Independent.
Os falsos moralistas, sobretudo os que falam em nome das religiões, parecem ter grande ódio ao amor, o que só por si mostra uma contradição interessante.
As religiões, todas as religiões, põem o 'amor' no topo do 'top ten' das virtudes - Deus é amor, o amor é que salva o Homem, e por aí fora; mas, na altura de julgar, condenam à morte as demonstrações de amor, e querem fazer-nos acreditar que Deus, se existe, não está preocupado com a guerra, com o crime, com o ódio, com a exploração do homem pelo homem, com o sofrimento, sobretudo das crianças, com a fome, com a miséria...mas que o que O preocupa mesmo é a necessidade de impedir que as pessoas se amem!?
Não conheço nenhuma religião que tenha o amor na lista dos pecados.
Os homens das religiões e todos os hipócritas e falsos moralistas que os seguem transformaram o Deus do Amor em Deus do Ódio, da Crueldade, da Tortura, da Inhumanidade e da Morte.
O primeiro mandamento desta gente parece ser: 'odiarás todos os que amam com ódio de morte'.
Depois de ver este filme de horror penso que cada dia que permanecemos vivos neste planeta com esta humanidade é um acto de fé.
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