Bispos querem nova lei do aborto Prelados entendem que a atual lei é um atentado aos direitos humanos.
O que têm estes dois títulos para que os relacionemos? Bem, comecemos pelo segundo: há umas semanas a ministra dos negócios estrangeiros sueca denunciou a opressão das mulheres sauditas às mãos de uma monarquia teocrática masculina que impede as mulheres de terem autonomia sobre si próprias e as suas vidas - não podem estas ter propriedade privada a começar pelo seu próprio corpo, são obrigadas a casamentos desde a infância com pedófilos, não podem viajar, etc. Condenou também o modo como Raif Badawi está a ser tratado e denunciou estes métodos como medievais.
A Arábia Saudita não gostou: retirou o seu embaixador da Suécia e deixou de emitir visas para suecos. Os Emiratos Árabes Unidos juntaram-se ao protesto bem como a Organização Islamita e acusaram a Suécia de faltar ao respeito "à riqueza e variedade de standards do mundo". Condenaram a ministra por ter "interferido em assuntos internos do Reino da Arábia Saudita."
A ministra, por sua vez, disse que não é ético a Suécia manter a cooperação militar com a Arábia Saudita face ao desrespeito que mostram pelos direitos humanos, nomeadamente no que respeita à lei sharia e cortou toda a cooperação.
Ninguém veio em auxílio da Suécia (uma pequena nação ameaçada por mais de 50 estados islâmicos por causa desta posição) e este caso está a ser silenciado na imprensa. Os EUA há pouco também lá foram prestar vassalagem ao petróleo.
Os próprios empresários -homens- suecos já fizeram abaixo-assinados a dizer que a Suécia não pode prescindir dos negócios das armas com os árabes.
Posto isto cabe perguntar, porque é que as nações ocidentais criticam os jihadistas e esperam auxilio da Arábia Saudita, Irão, etc., para lutar contra eles, se estes países, eles próprios são os primeiros a defender que negar direitos humanos às mulheres é uma riqueza cultural? E, porque é que as nações ocidentais não se calam, se na prática, na hora da verdade, são cúmplices com todas as barbaridades que se cometem contra as mulheres, pois calam a boca e aceitam tudo, para não inviabilizar negócios?
Os bispos portugueses vêem mais uma vez dizer o que é que eles pensam sobre os benefícios da instrumentalização das mulheres na sociedade.
A Igreja Católica (como quase todas) faz do desrespeito pelas mulheres o estandarte da sua pregação: desde logo porque proclamam que as mulheres são inferiores aos homens de tal modo que não podem ocupar nenhum cargo eclesiástico de autoridade (onde há um homem ele tem que ser a cabeça - as mulheres não a têm) e que devem obedecer aos que os homens ordenam. E o que ordenam as igrejas? Ordenam que as mulheres devam ser usadas como incubadoras porque há 'um deserto de natalidade'.
E se as mulheres não quiserem ter filhos... o que propõem...? Bem, se seguirmos a lógica do argumento, os homens poderão forçar as mulheres para acabar 'com o deserto de natalidade' ou fazer chantagem, como proibi-las de estudar ou trabalhar enquanto não tiverem filhos... ou proibi-las de sair de casa como advogava aquele padre do Norte no ano passado quando veio dizer que o lugar das mulheres é o lar... é que se partem da posição que não lhes cabe a elas mas a eles, homens, decidir, mesmo que à força (a lei é força), do destino delas, chegar aos extremos dos afegãos, que legalizaram a violação, são uns poucos de passos... esses próprios afegãos, também começaram há duas dezenas de anos apenas por querer que as mulheres tapassem a cabeça... e veja-se onde chegaram.
As crianças crescem a testemunhar o desrespeito da igreja pelos direitos das mulheres, como coisa positiva, crescem a testemunhar a apropriação das mulheres como objectos dos interesses masculinos, como coisa desejável e positiva, pois os homens que o Estado ouve como campeões da ética o defendem activamente. As igrejas educam para a opressão e para o sexismo. E isto não é uma opinião subjectiva: são os factos objectivos à vista de todos.
Porque não vão eles, padres, ter filhos, já que querem tanto crianças? Ah, porque fizeram uma opção de vida que inclui não ter filhos? Quer dizer eles podem fazer opções de vida livremente sem que sejam obrigados a dispôr dos seus corpos para acabar com 'o deserto da natalidade'? Ah, portanto um homem pode ter essa opção de ser livre no seu projecto de vida, mas uma mulher não? As mulheres não podem ser livres? É a igreja na pessoa dos homens padres que lhe dita o seu projecto de vida?
A minha pergunta é: porque é que, sendo o Ocidente tão crítico com o tratamento desrespeitoso que a religião muçulmana faz às mulheres, continua a compactuar com esse desrespeito dando importância, voz e proeminência a instituições, as igreja cristãs, católica (e outras) que têm como um dos principais estandartes o desrespeito dos direitos das mulheres e a negação da liberdade inerente à sua humanidade. Ao negarem a liberdade às mulheres estão a dizer que elas são menos que seres humanos.
Eu pago impostos e não quero ser obrigada a pagar tempo de antena e de voz a pessoas que são uma ofensa em termos de ética humana no que respeita às mulheres. Ofende-me e envergonha-me ver a deferência com que os poderes públicos em situações públicas, falam, também em meu nome e, lhes dão poder, a essas pessoas que defendem um mundo em que as mulheres não têm liberdade, um mundo de opressão de uns pelos outros, para decidir sobre os meus assuntos enquanto cidadã e pessoa livre, que não desisto de ser. E quando são mulheres a fazê-lo ainda me envergonha mais.
Vivemos num mundo em comum, mulheres e homens. Como é que há homens que podem querer um mundo de opressão de uns por outros?
Em meu entender, enquanto não se disser claramente a todos os homens de todas as igrejas que não se aceita como parceiros de decisão de coisa alguma indivíduos que não têm nem mostram nenhum respeito pelos direitos humanos das mulheres (tal como fez, muito bem, a ministra sueca), está a ser-se cúmplice e apoiante, implicíta ou explicitamente com todas as barbaridades que acontecem às mulheres, por esse mundo fora, às ordens de religiões. Umas podem ser mais chocantes que outras mas [quase] todas partilham o mesmo princípio: liberdade é um atributo do homem que deve ser negado às mulheres. Ora, ou isto é inaceitável ou vamos rasgar a Carta dos Direitos Humanos e regressar ao tempo medieval teocrático como fizeram os Estados Islâmicos.