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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
O cientista considera que a prova que sustenta o seu argumento é o facto de ter sido observado, em 1992, um planeta que girava em torno de uma estrela distinta do sol. Hawking alega que essa observação comprova a possibilidade de existirem outros planetas e universos o que significa, em seu entender, que se a intenção de Deus era criar o Homem, os restantes universos seriam redundantes.
O conhecido biólogo ateu Richard Dawkins felicitou já o astrofísico britânico pelas conclusões, dizendo que a opinião de Hawking é partilhada por uma grande parte da comunidade científica. Mas que raio de argumentos são estes? Desde quando um argumento acerca da existência de Deus retira a sua validade dum suposto conhecimento das intenções desse Deus? E desde quando a existência de um Deus está dependente da sua necessidade para preencher lacunas em teorias explicativas da ciência? E desde quando o Big Bang prova ou desprova a existência de um Deus se o Big Bang é uma teoria física sobre o princípio do devir no mundo que nada diz sobre a causa dos seres? É o que dizia Gadamer: a ciência a querer substituir-se à Filosofia ultrapassa o domínio da sua esfera de saber e aplica-lhe os princípios e métodos científicos como se toda a explicação da mecânica da realidade abrangesse a totalidade da realidade ou obrigasse toda a realidade a reduzir-se ao mecanicismo como a uma verdade. O que se vê neste século e no anterior é a ciência a querer substituir a religião: os cientistas são os novos padres, os descodificadores da verdade do Universo, nas suas batas brancas à laia de paramentos pontíficos com os textos enigmáticos da matemática na mão, qual bíblias de que são os únicos decifradores. A tentarem, à maneira do clero, aliar-se ao poder para passarem a ser (ou já são) a religião do futuro! E estes argumentos não-argumentos fazem títulos nos jornais, como se o homem tivesse provado que não há Deus! É por isso que cada vez há menos paciência para os jornais.
Desta forma o Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) rejeita a proposta da Associação de Professores de Biologia e Geologia (APPBG) que aconselhava a anulação da pergunta sete do grupo IV do exame.
O Ministério da Educação rejeitou esta posição depois de ter também entrado em contacto com especialistas. “Foi unanimemente reiterada a inexistência de qualquer erro na proposta de classificação presente nos critérios específicos de classificação”, disse num comunicado Helder Diniz de Sousa, presidente do GAVE.
Das umas uma: ou as questões da Biologia não têm uma resposta única e podem estar sujeitas a interpretação e, nesse caso, têm que ser aceites as interpretações apresentadas pelos alunos dentro do leque das possíveis -neste caso não há 'erros' propriamente falando; ou as questões da Biologia têm uma resposta única e, nesse caso, ou os especialistas do ministério estão certos e os outros errados ou são os da Associação de Professores de Biologia que estão certos e os do ministério errados. As duas coisas ao mesmo tempo é que não pode ser.
Em qualquer dos casos a questão torna-se interessante por duas razões: a 1ª é o ministério ter equipas a fazer exames que todos os anos dão barracas; a segunda, muito mais interessante é o caso deixar exposta a questão da pseudo-objectividade das ciências por contraste com as humanidades.
Acho esse filme do post aí em baixo -A beautiful mind- muito bom. Passo-o nas turmas do 11º ano, a propósito da ciência e dos problemas do conhecimento. Muita gente que conheço não gosta do filme porque acha que não retrata como deve ser, nem a vida do John Nash, nem a sua esquizofrenia. Mas eu não vejo o filme como um documentário biográfico, vejo-o como uma abordagem aos problemas do conhecimento e da ciência, e nessa medida acho o filme brilhante, nas questões que levanta e nas respostas que ensaia.
No filme, Nash representa a ciência no seu 'core': a procura incessante de padrões de penetração e explicação do real, que é, no fundo, a tentativa de transformar o caos em ordem com as leis científicas.
O modo como ele constrói a tese que lhe deu o prémio - o momento exacto em que a ideia lhe surge com toda a clareza como uma peça de puzzle que encaixa na perfeição no problema é óptima para mostrar o que é o processo de incubação daquilo que vulgarmente se chama a 'descoberta científica'.
A crença que ele tem no 'método' bem como a crença que todos os outros têm nele (ao ponto de não se aperceberem dos seus desvios de comportamento) representa a fé cega na ciência, como única explicação do real e no método científico como a 'vara' que descobre o ouro enterrado. Isso mostra muito bem a crença vulgar de que a ciência é capaz de tudo, muito parecida com a crença em 'magia'.
Até meio do filme não percebemos que o seu amigo e a sobrinha, mais o dos serviços secretos são entes imaginários. Só a meio do filme, e de repente, somos confrontados com esse facto. Isso é um choque que não estamos à espera, e tem um efeito pedagógico nos alunos que podemos depois explorar para explicar como é que, estando imersos numa realidade, não nos apercebemos dos seus contornos e como é preciso ultrapassar os seus limites para termos uma visão do todo, sem a qual a fé é sempre cega.
O critério que Nash usa, no filme, para tomar consciência das suas alucinações (a miúda nunca crescer) é um critério de coerência lógica, o que exemplifica na perfeição o problema da necessidade de princípios heurísticos e dos critérios com que aceitamos outros critérios para fundamento da compreensão/explicação do real.
Duas cenas com a mulher dele mostram muito bem os limites da ciência e a seu apoio na própria crença, sendo que o único problema está em não termos consciência que a crença é crença e tomarmo-la por verdade única, dogmática.
A primeira dessas cenas é a aquela em que ele pede a mulher em casamento dizendo que precisa duma certeza de que ela o ama e que isso é real, ao que ela responde com a pergunta, porque é que ele acredita que o universo é infinito e trabalha tendo isso como princípio mesmo não sabendo ao certo se o é. Ele responde que é um acto de fé. Esta cena, onde ela o faz tomar consciência do lugar da fé na própria ciência mostra também que o dominio da ciência não é total. Há coisas que estão fora da sua explicação.
A segunda cena é essa representada na fotografia do post abaixo onde ela lhe diz que para além das hipóteses da sua loucura na busca de padrões (os indivíduos imaginários) há outras coisas reais (como o amor dela, que sendo da ordem do sentimento e não da razão, foi a única coisa com a qual ele afinal sempre pôde contar) e que precisa de acreditar que algo de extraordinário é possível, quando lhe pergunta se ele é capaz de lidar com os seus 'demónios' de modo a poderem ficar juntos. No fim do filme ele diz que agora escolhe ver os 'amigos imaginários' como uma hipótese paralela à qual tem de resistir, como uma espécie de dieta mental. Eu escolho interpretar essa cena como uma metáfora para a necessidade que a ciência, ou os cientistas melhor dizendo, têm de resistir às tentações de poder absoluto na apropriação do real pois o risco é a desvirtuação da ciência no seu propósito de transformar o caos em ordem, e a sua substituição pelo caos da loucura cujos exemplos são às carradas, desde a bomba atómica à questão da origem da SIDA, da venda de doenças e guerra por todo o planeta.
Essa cena também me serve a mim para desconstruir junto dos alunos a imagem (errada) que eles têm do cientista, não como um homem com todos os seus defeitos e complexidades, mas como uma espécie de ser infalível que está acima dos outros nas certezas e conhecimentos do real. Mesmo a esquizofrenia dele, apesar de poder estar representada de modo um pouco leve, mostra como a explicação da Psicologia/Psiquiatria/Psicanálise não esgota, nem é suficiente para tomar conta do problema.
Finalmente, o filme mostra a fragilidade do conhecimento humano face à imensidão e complexidade de tudo o que há para saber e isso permite pôr as coisas no seu lugar em termos da ciência como um dos caminhos (mas não o único) de acesso ao real.
Le Monde.fr , hoje, um artigo sobre os benefícios do fim do trabalho individual e a apologia ao trabalho de grupo e à utilização das TIC e Wiki na aprendizagem - também por lá se misturam alhos e bugalhos...de propósito talvez...
"UNE QUESTION D'INDIVIDU"
Du côté des enseignants, la plus forte réticence est liée au cahier de texte. Le mettre en ligne, c'est accepter que tout le monde voie et suive son travail. "On a encore des professeurs qui ont du mal avec l'espace numérique de travail. C'est un outil qui bouleverse les habitudes. On passe d'une pratique plus individuelle à une pratique plus collective. Or c'est plus difficile et plus long de préparer et de travailler en groupe que tout seul", estime M. Duclerq.
Bertrand Russel, num livro de 1931 que já citei aqui noutro post - The Scientific Outlook - e que se pode descarregar, inteirinho, em PDF, ou outro formato, aqui neste site → www.archive.org/details/scientificoutloo030217mbp dizia o seguinte, sobre as sociedades científicas do futuro (dele, presente nosso):
«The social effect of modern scientific technique is,
in practically all directions, to demand an increase
both in the size and intensity of organization. When
I speak of the intensity of organization I mean the
proportion of a man's activities that is governed by
the fact of his belonging to some social unit.
(...) The society of experts will control propaganda and education.
It is possible that
it may invent ingenious ways of concealing its own
power, leaving the forms of democracy intact, and
allowing the plutocrats or politicians to imagine
that they are cleverly controlling these forms.
Gradually, however, as the plutocrats become stupid
through laziness, they will lose their wealth; it will
pass more and more into public ownership and
be controlled by the government of experts.
Education in a scientific society may, I think, be
best conceived after the analogy of the education
provided by the Jesuits. The Jesuits provided one
sort of education for the boys who were to become
ordinary men of the world, and another for those
who were to become members of the Society of
Jesus. In like manner, the scientific rulers will
provide one kind of education for ordinary men and
women, and another for those who are to become
holders of scientific power.
Ordinary men and
women will be expected to be docile, industrious,
punctual, thoughtless, and contented. Of ihese
qualities probably contentment will be considered
the most important. In order to produce it, all the
researches of psycho-analysis, behaviourism, and
biochemistry will be brought into play.
All the boys and girls
will learn from an early age to be what is called
"co-operative," i.e. to do exactly what everybody
is doing. Initiative will be discouraged in these
children, and insubordination, without being punished,
will be scientifically trained out of them.
Their education throughout will be in great part
manual, and when their school years come to an
end they will be taught a trade. In deciding what
trade they are to adopt, experts will appraise their
aptitudes. Formal lessons, in so far as they exist,
will be conducted by means of the cinema or the
radio, so that one teacher can give simultaneous
lessons in all the classes throughout a whole country.
The governing class.
Unlike the children destined to be manual workers, they
will have personal contact with their teacher, and
will be encouraged to argue with him. It will be his
business to prove himself in the right if he can, and,
if not, to acknowledge his error gracefully.
There will, however, be limits to intellectual freedom, even
among the children of the governing class. They will
not be allowed to question the value of science, or
the division of the population into manual workers
and experts. They will not be allowed to coquette
with the idea that perhaps poetry is as valuable as
scientific research.» (...)
(os excertos acima transcritos fui eu que seleccionei)
Há pessoas que são mesmo inteligentes e vêem claramente as coisas. Há outras que são estúpidas e não vêem nem o que se lhes põe à frente do nariz.
Outras acham-se muito inteligentes - na melhor das hipóteses são só 'chicos espertos' que medem os outros por si próprios e pensam, por isso, que os enganam.
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