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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
" Era uma vez - «há muito tempo», talvez «numa galáxia que ficava longe, muito longe» - uma civilização avançada, livre, tolerante, individualista, num planeta cujas calotes polares começaram a crescer. Não havia civilização que fosse capaz de deter o avanço do gelo. Os cidadãos do Estado ideal construíram uma poderosa muralha, que resistiria aos glaciares por algum tempo, sim, mas não para sempre. Chegou o momento em que o gelo, indiferente, implacável, atravessou as suas linhas e os esmagou. O seu último acto foi o de escolherem um grupo de homens e mulheres que atravessaram a superfície do gelo até aos últimos confins do planeta, para transmitirem a notícia da morte da sua civilização, e preservarem, nos modestos termos que pudessem, o sentido daquilo que fora a sua civilização, tornando-se seus representantes.
Ao longo da sua difícil viagem pela calote de gelo, o grupo aprendeu que, para sobreviver, tinha de mudar. Os seus diferentes individualismos tinham de fundir-se numa colectividade, e foi essa entidade colectiva - a Representação - que acabou por conseguir chegar aos últimos confins do planeta. Todavia, o que representava agora não era o que quisera de início representar. A viagem cria-nos. Transformamo-nos nas fronteiras que atravessamos.
(Salman Rushdie em Pisar o risco, sobre o romance de ficção científica de Doris Lessing, The making of the representative for Planet 8 )
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