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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
É evidente que Portugal e a Grécia, como Espanha ou Irlanda, terão de reformar as suas economias e, sobretudo no caso dos países do sul, rever o papel que o Estado desempenha, o espaço que ocupa e os recursos que consome. Mas não vale a pena fingir que o problema é só esse. O que se tem passado em França é bem mais grave, porque revela como as possibilidades de reforma são ínfimas. França é o melhor exemplo de uma sociedade acomodada e convencida de que os privilégios são eternos e de que o Estado social se paga a si mesmo, seja lá como for. Ver crianças de 20 anos a berrar porque não se querem reformar aos 62 anos é muito mais grave do que ver um país a querer fazer auto-estradas de que se calhar não precisava e que certamente não podia pagar.
Não estou de acordo com esta visão da raíz do problema em França, onde se dá a entender que a sociedade se tornou indolente de tal forma que até os mais jovens só pensam em benefícios e segurança.
A mim o que me parece é que hoje em dia os jovens são mais educados e informados que há umas décadas e estão conscientes do que se está a passar.
Vêem que este problema ultrapassa a mera questão económica e que é uma questão de modelo de civilização.
Vêem que o que se está a desenhar é o fim do ideal europeu que defendia que toda a sociedade tinha um objectivo de qualidade de vida para os seus cidadãos e não apenas para uns.
Vêem que esse tipo de sociedade está a ser destruída porque políticos e tubarões de bancos e grandes corporações multinacionais arrecadam todos os bens e riqueza e ao manifestar-se estão a dizer que não querem a destruição do ideal europeu para que a ganância de alguns seja plenamente satisfeita.
Estão a dizer que não querem a Europa transformada nos EUA de tradicional capitalismo selvagem.
Estão a dizer que querem que os políticos façam o seu trabalho: criar emprego, moralizar a vida pública, dar exemplo de honestidade e serviço para que não desapareçam os benefícios do Estado Social que as pessoas suportam com os seus impostos.
Estão a dizer que não vivemos já no século XIX onde se assumia que os trabalhadores não deveriam aspirar à prosperidade que era privilégio de alguns para os quais os outros trabalhavam até à morte.
Estão a dizer que esse estado de coisas foi ultrapassado com muitos custos e sacrifícios e não querem que tudo seja perdido.
Estão a dizer que não aceitam trabalhar até aos 60 ou 70 anos e ir directamente do trabalho para a cova, apenas porque os políticos não fazem o seu trabalho e se vendem aos tubarões das finanças.
Não estão a dizer que não querem trabalhar ou correr riscos. Só estão a dizer que não aceitam ser escravos de políticos incompetentes e venais que têm 3 reformas aos 40 ou 50 anos e de patrões sem escrúpulos que atiram centenas ou milhares para a pobreza por pura ganância.
O que se passou em Portugal não é exemplificativo: políticas de destruição da agricultura, da indústria...corrupção de tudo quanto é membro do governo, bancos a lucrar milhões por dia, roubos e desvios de dinheiros de amigos, de administradores públicos...então o povo que sustentas estas coisas deve ainda aceitar reformas que o descarnam até ao osso? Somos ossos para cães roerem?
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