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que fazer com o poder?

por beatriz j a, em 25.09.10

 

 

 

Catalina Pestana no SOL


 

No televisor ligado num canal de notícias dou-me conta de uma longa fila de homens e mulheres que, de forma ordeira, esperam a sua vez não se sabe para quê.

Aumento o som para tentar perceber qual o motivo que leva tanta gente a esperar, desde manhã cedo, à porta de uma qualquer repartição, com semblantes entre o assustado e o conformado.

Percebo: é uma delegação da Segurança Social - e a maior parte dos beneficiários teve notícias preocupantes.

Parece que, no pingue-pongue entre os dois partidos de alternância governativa, o da direita falou de subsidiados em situação fraudulenta - e o Governo decidiu rever todas as situações.

Bem feito. Pelo menos, as senhoras das pulseiras têm de se mexer e verificar se a situação de cada família se alterou mediante o subsídio social de inserção. Ou se alguém se sente muito bem inserido com as esmolas que consegue angariar junto do Governo, das igrejas ou da sociedade civil organizada.

Onde está a causa de tais filas madrugadoras, que lembram aos mais velhos o tempo dos racionamentos?

No choque tecnológico! Lembram-se? Esta é ainda a grande bandeira do senhor primeiro-ministro.

Os beneficiários dos diferentes apoios do Estado Social têm de fazer prova dos seus rendimentos, móveis ou imóveis, via internet.

Pânico quase geral por parte dos utentes. Falta de respeito total por parte de quem teve esta brilhante ideia.

Conhecerá o Governo os pobres do país que governa?

Não são apenas os novos pobres provocados pelo desemprego: esses saberão como responder ao solicitado (embora, em tempo de crise, quando tiveram de contar os cêntimos, possam ter prescindido da internet, por não ser um elemento fundamental à sobrevivência).

Mas os restantes, os pobres de sempre, são homens e mulheres analfabetos funcionais, que terão recebido uma carta a dizer coisas que mal entendem - e que os levou a correr para filas incomensuráveis, a perguntar às senhoras da Assistência o que têm de fazer.

Senhora ministra: a senhora foi sindicalista, embora em Bruxelas, mas sempre acreditei que teria mais respeito pela iliteracia de muitos cidadãos deste país, não permitindo que o Conselho de Ministros aprovasse tamanha barbaridade.

Imagino a Sandra, o senhor Humberto, a D. Augusta ou a Maria, a preencher através da net a relação do seu património.

Que o ritmo das notícias não é o ritmo da Justiça, já sabemos todos - pobres, ricos e remediados. Por isso as filas terceiro-mundistas que se formam diariamente à porta das delegações da Segurança Social saíram rapidamente de cena.

Sucederam-lhes as outras vertentes da crise económico-financeira.

- A dívida externa que continua a aumentar em cada hora dois euros com muitos zeros à frente, e os juros da mesma, que atingem números alarmantes para quem os entende;

- A tentativa do líder do PSD de nos fazer acreditar que alterando a Constituição resolverá o grosso do problema, alterando a Constituição no sentido que favoreça mais as suas posições ultra-liberais;

- O Governo a dizer que baixou em 6% o preço dos medicamentos, e em cada farmácia os velhos doentes crónicos a constatarem com espanto que vão ter de pagar mais pelos remédios sem os quais não podem sobreviver. Às vezes, o dobro do que pagavam na semana anterior.

Este estado caótico lembra-me outra fase que vivemos, nos primórdios da Revolução dos Cravos.

Estávamos a discutir política na Av. D. Carlos I, em Lisboa.

A ordem de trabalhos era longa, e não passara ainda do primeiro ponto: a tomada do poder pelo almirante Pinheiro de Azevedo.

Um militar de Abril, jovem mas maduro, farto daquele cerrar de presunto sem se receber nenhuma lasca do mesmo, pediu a palavra e disse: «A tomada do poder deixem comigo. Vou lá acima a S. Bento e tomo o poder à estalada. No estado em que ele está, arrisco-me a que caia sozinho. Passemos então ao ponto 2 da ordem de trabalhos, e digam-me o que faremos com o poder amanhã de manhã. Caso contrário, vou dormir - que já é tarde».

 

publicado às 11:36


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