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o número de alunos por turma

por beatriz j a, em 02.05.10

 

 

As turmas deviam ter menos alunos do que têm.

Aqui há uns anos, num curso de pós-graduação que fiz com umas colegas referimos, numa apresentação dum trabalho, a necessidade de se reduzir o número de alunos por turma. Na altura, a formadora, respondeu, à laia de crítica, que "não está provado que a redução do número de alunos numa turma tenha, só por si, influencia positiva nos seus resultados". Já na altura o argumento me irritou, porque não é honesto.

É evidente que não está provado, nem nunca estará, porque é sempre possível ir buscar aqueles casos em que turmas, bastante grandes até, têm bons resultados e turmas pequenas têm maus resultados. Se agarrarmos em 30 bons alunos e os juntarmos numa turma, o mais certo é eles terem bons resultados, da mesma maneira que, se juntarmos, 12 maus alunos (indisciplinados e com historial de falta de aproveitamento), o mais certo é eles terem maus resultados. Estes casos não infirmam a minha declaração inicial.

É como afirmar que num restaurante o número de clientes por empregado não afecta a qualidade do serviço. Haverá sempre casos em que num restaurante com poucos empregados um grupo de pessoas grande saiu de lá satisfeito, e outro saiu insatisfeito num restaurante cheio de empregados. Mas isso não é a regra. A regra mostra que quanto maior é o número de pessoas que tem a seu cargo maior é o tempo de espera e de insatisfação dos clientes, maior é o stress do empregado, maiores também as hipóteses de se enganar nos pedidos ou desleixar aqueles pormenores que fazem a diferença. Por muito excepcioonal que seja o empregado, esse excesso de clientes diário acaba por cansá-lo física e animicamente (quanto mais velho menos aguenta) e impedir que brilhe nas suas melhores qualidades de atendimento.

Numa escola é a mesma coisa. Numa turma, se não há ambiente de trabalho nada funciona bem. Para haver ambiente de trabalho é preciso que o professor controle o que se passa lá dentro, ao mesmo tempo que trabalha com os alunos os conceitos que tem de ensinar, que detecta as dificuldades de aprendizagem, etc, etc. porque os alunos das escolas não são como os das universidades, pessoas mais ou menos autónomas, em geral motivadas e com percurso escolar positivo. Não. As escolas são locais de ensino e educação de crianças e jovens em formação que dependem muito da presença, atenção e proximidade constantes do professor. São muito dependentes. Por exemplo, se o professor está desanimado, eles desligam da aula. As turmas alimentam-se da energia dos professores e acalmam-se e concentram-se com a capacidade que o professor tem de manter a autoridade e o ambiente controlado. O bom trabalho, não episódica, mas permanentemente, é incompatível com turmas enormes e isto é independente de se ser muito bom professor.

O cansaço e a concentração a que cada aula obrigam, progridem geometricamente com cada aluno a mais. Mesmo nas boas turmas. Naqueles dias em que faltam 4 ou 5 alunos porque foram participar num evento, ou algo do género, nota-se uma diferença abissal. O ambiente torna-se mais próximo, o nosso tom da voz muda, a aula dá para tudo: trabalhar a matéria, conversar um pouco, conhecê-los melhor, perceber o que está a afectar este ou aquele, etc.

Se é possível trabalhar com trinta e tal? Ser, é. Mas não com a mesma qualidade. Se o professor tem várias (muitas) turmas, está num estado de exaustão permanente que afecta negativamente o seu trabalho, e por consequência, a turma.

Até pode acontecer que um professor inspirado consiga dar a volta a uma turma grande e problemática. Mas, isso acontecerá uma vez de vez em quando. Se um professor tem todos os anos, sete turmas com 30 alunos e dessas sete, duas são muito problemáticas com casos de indisciplina grave e maus resultados, isso torna-se uma impossibilidade física, até. Os professores são pessoas biológicas, físicas. Trabalham com pessoas. Miúdos ainda muito novos para terem noção e perceberem certas coisas mas já com idade e corpo suficientes para fazerem estragos. Adolescentes, naquelas idades em que estão numa de experimentar e correr riscos e de se armarem para o mundo. A disciplina numa aula depende de vários factores, onde a experiência ajuda muito mas a inspiração também porque é preciso, para cada acção, a reacção certa e adequada, o que implica presença de espírito, concentração, raciocínio claro na análise da situaçao. Ora, estas coisas, por sua vez, não se compadecem com estados de permanente exaustão que roubam a clareza à visão.

As pessoas todas que andam para aí a falar do que não sabem deviam ser obrigadas a ir dar aulas a seis ou sete turmas para a minha escola, ou outra idêntica, aqui da margem sul...

A minha escola tem muitos alunos do bairro da Bela Vista. Eles sabem e têm consciência que de as condições das escolas públicas, sobretudo em certos bairros, com falta de funcionários, alunos a mais por turmas, falta de condições, etc. é a maneira dos governos lhes dizerem que não querem saber deles, que o que querem é que não chateiem. No fim passam-nos a todos e mandam-nos trabalhar para as obras...não passam de um número que aparece num relatório qualquer.

É por isso que não acreditam na educação como modo de melhorar a vida (o que dificulta muito o nosso trabalho). E não têm razão? Um país que apostasse nas pessoas tratava-as de outro modo, com outra consideração.

publicado às 09:03



no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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