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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
A investigadora defende que os portugueses pagam os direitos sociais nos impostos e que parte desse dinheiro é desviado
(...)
Fala de um processo de globalização. No seu entender ele é positivo ou negativo?
O processo de globalização que vivemos é um processo de globalização imperialista. Era bom que recuperássemos a esse respeito este conceito que os cientistas sociais têm tido medo de usar. Embora recentemente nas discussões de instituições internacionais como a OIT (Organização Internacional do Trabalho) haja alguns autores que recuperam estes conceitos. É óbvio que esta globalização nos trouxe coisa de que nós gostamos: conhecer os outros povos, a sua cultura, a sua comida, consumir os seus produtos, etc. Isto tem sido feito através de um processo muito desigual e que vai produzindo desigualdades. Ao mesmo tempo que aos trabalhadores chineses é entregue uma guia para trabalhar 16 horas por dia por dois dólares, sem que se lhes permita levar a família e sem assistência social – estou a citar números oficiais usados por um historiador chinês –, temos um dos maiores processos de acumulação de capital nos Estados Unidos devido a esta divisão de trabalho que torna a China a fábrica do mundo. Esta desigualdade não é aceitável. Estou convencida que um dos grande objectivos do programa da troika é aproximar-nos da China. O capitalismo chinês tem um problema imenso que deriva de viver da exploração da mais-valia absoluta, o que significa que um trabalhador chinês dá mais--valia devido ao aumento da exploração do trabalho. Para isso é necessário manter o elevado número de horas da jornada de trabalho. Enquanto um trabalhador americano rende pela mais-valia relativa. Ele trabalha meia hora para si e as outras sete horas e meia são para o capital, enquanto um trabalhador chinês é muito menos produtivo. Para acumular o mesmo capital na China é preciso muito mais trabalhadores. A jornada de trabalho é maior por causa disso. Com um aumento de salário na China de 10% deixa de compensar as empresas estrangeiras estarem lá. Esse aumento de salário tem um efeito muito maior na diminuição da acumulação de capital que um mesmo aumento num país com uma grande produtividade. Nos últimos anos tem havido aumentos salariais na China fruto das greves. É possível que a burguesia europeia pense que a forma de resolver esta crise é tentar fazer uma China aqui perto, contornando os problemas que têm tido no processo de acumulação chinês.
Isso significa o quê?
Diminuir o nível salarial dos trabalhadores europeus e reindustrializar a Europa. Quando a chanceler Angela Merkel falou na hipótese de reindustrializar Portugal era isso que estava a propor. Por um lado, a utilização dos países do Sul da Europa como uma espécie de nova China, por outro o roubo de cérebros e licenciados para os países do centro da Europa e a Alemanha.
Mas essa deslocação não enfrenta alguns constrangimentos, nomeadamente os linguísticos, que impedem essa flexibilidade do mercado de trabalho em termos europeus?
Nós temos hoje um milhão e trezentos mil licenciados em Portugal, e a mão- -de-obra na Europa é altamente qualificada. É tão proletarizada como era nas fábricas. Neste momento um investigador em Portugal ganha muito menos que um operário alemão. É um novo proletariado qualificado. É mais produtivo que o tradicional. O que eu faço hoje com um computador exigia há poucos anos dezenas de pessoas. Todo o processo de Bolonha visou criar as condições para a deslocação na Europa desta nova mão- -de-obra extraordinariamente produtiva. Cada vez mais a língua é o inglês, há cada vez mais empresas que não trabalham na sua língua nacional. Estão-se a criar condições para ter um mercado de trabalho à escala continental. É por isso que a nossa precarização vai ser o enterro dos direitos sociais dos trabalhadores alemães. O que se prepara é que de hoje para amanhã os trabalhadores qualificados do Sul ocupem por um salário muito mais baixo o lugar de um trabalhador alemão. É este o objectivo da política da troika.
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