Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Ficámos a saber, nestes últimos dias, que o senhor Oliveira e Costa desviou para o seu bolso 66 milhões de euros do BPN. Soubemos também que parte do dinheiro veio da Caixa Geral de Depósitos, que lá tinha uma conta aberta, para os senhores administradores poderem brincar aos banqueiros piratas. Parece que, para além de viverem à grande com o dinheiro que custa a ganhar ao povo, ainda se armavam em coleccionadores de arte.
Finalmente, sabemos que o dito senhor pôs o dinheiro no nome da mulher, de quem se divorciou à pressa para que o povo não pudesse recuperar o dinheiro desviado.
Ora, sendo eu professora, recebo o meu ordenado na Caixa Geral de Depósitos.
Uma vez que o meu dinheiro, embora pouco, também serviu de bolo ao saque do senhor Costa, agradeço que a ex-mulher e o filho, que têm agora o produto do saque do ex-marido e pai, respectivamente, me devolvam a parte que me cabe, que me faz muita falta, tanto mais que a ministra da tutela, que tem ódio profundo (e estranho, diga-se de passagem) aos professores, está apostada, juntamente com o governo, numa cruzada para empobrecer a educação e os professores, de modo a que nada falte aos banqueiros (bem como às sua pobres famílias) que são a grande prioridade deste país.
Ao Estado, peço que ao menos, abram ao público um museu, gratuito, com as pinturas, esculturas, mobiliário e afins que o BPN adquiriu e que, pelos vistos, também ajudei a comprar.
Quanto ao próprio senhor Oliveira e Costa – a quem chamo ‘o Bibi do BPN’, porque já se fala em biliões desviados, e a parte dele foi de 66 milhões – espero que seja pessoa vingativa, e que esteja, neste momento, a vomitar tudo o que sabe sobre quem mais, além dele, esbulhou os bancos porque queria (e esse é o meu pedido ao Pai Natal, este ano) que todos os senhores que vivem por aí à grande com saques de piratas - e que se calhar andam por aí a passear-se , talvez até a mandar , e quem sabe, a dar opiniões contra os bandidos dos professores que têm uma vida de privilegiados, quais nababos - desaparecessem do meu país.
Calculo que o dinheiro desviado esteja lá fora nalguma ilha, ou na Suíça – francamente não sei onde é que os piratas costumam esconder os saques – enfim, em sítio fora do país.
Só é pena que os senhores que lá os puseram não sigam atrás deles.
Por que non te vas?
Desapareçam. Por favor. Vão-se embora. Vão gozar o dinheiro para o Tahiti ou para o Havai, ou outro qualquer sítio, mas não voltem. Nunca mais.
Não precisamos de Miguéis de Vasconcelos.
(para ser lido com sotaque açoreano, que fica melhor - sem desprimor para os Açores, que são uma terra de que muito gosto)
Magalhães, Magalhães
aqui me tães
contigo zangado
pois não é
que estava descansado
por ter em ti ter arranjado
um amigo, um aliado
que via o meu puro lado
de génio camuflado.
Eu já me via contigo
a resolver duma vez
os problemas do país
a conseguir muita riqueza
e tudo com a minha esperteza.
O meu nome em rua ou em ponte
no futuro citado como fonte
de memórias de grandeza.
Ah Magalhães, Magalhães
Aqui me tães
muito zangado contigo
porque já me vieram dizer
que afinal era traído
e a outros já te tinhas vendido
antes de seres meu amigo.
Magalhães, Magalhães
vou-me embora,
já não me tães.
A tentação de manipular a edução para a por ao serviço do poder vem de longe, como se sabe.
Não foi Sócrates (o filósofo, entenda-se) condenado à morte exactamente por querer que a educação formasse jovens capazes, autónomos, responsáveis e livres, coisa que não agradava ao poder elitista da época?
Não foi toda a Idade Média marcada pela instrumentalização da educação? Não foi Galileu proibido de ensinar depois de ameaçado pela Inquisição, porque defendia que se pusesse a razão no lugar da fé?
Não teve Descartes que sair de França para poder investigar em liberdade sem que lhe acontecesse o mesmo que a Galileu?
Que fez o regime nazi? Queimou os livros que não se submetiam à lógica do poder e decretou o ensino da ideologia nacional-socialista. E o que se lia e ensinava na União Soviética? Tudo o que confirmava o Futuro Radioso da Humanidade, naturalmente.
Não estavam os negros afastados da educação nos Estados Unidos, para que não pudessem aceder à cidadania e continuassem a alimentar o fausto da elite?
Que fazem hoje os muçulmanos nos países que lideram? Restringem o acesso das mulheres à educação para poderem continuar a escravizá-las e reduzem grande parte da educação à aprendizagem da teologia e do direito religioso nas madrasas.
O processo de instrumentalização da educação começa, evidentemente, com a subordinação dos educadores à lógica do poder uma vez que são estes os instrumentos da vontade do poder.
O que acontece quando os educadores não se revêem na lógica do poder e entendem a educação como um meio de promover a autonomia, a democratização, a liberdade e o crescimento de um povo? Aqueles pequenos pormenores que estão escritos na Constituição da República? Resistem.
É justamente nesse ponto que nos encontramos. De um lado, um poder medíocre, ignorante e míope que tenta alastrar a sua miopia a toda a sociedade; do outro, uma classe de professores que ainda sabe, ou lembra, do tempo em que a educação só existia para que o povo domesticado servisse bem os patrões.
Já os filósofos gregos tinham percebido que, embora quem governe pense que está a ser muito esperto ao arrecadar para si e para os seus, os bens de todos, na verdade está a mostrar grande pobreza de espírito: essas acções têm um efeito de boomerang, já que, ao empobrecerem a polis empobrecem-se também a si próprios e aos seus filhos, e aos filhos de seus filhos, que nela crescem e vivem.
Os senhores que tentam calar o povo devem o seu conforto às ideias e à luta de Galileu em defesa da Ciência e da liberdade de investigação, não aos gananciosos ignorantes da Inquisição que o tentaram calar.
É por isso que resistimos.
Memória de uma cidadã anónima:
Lisboa, liceu D. João de Castro.
A meio da manhã, na aula de Português do 6º ano (agora 10º).
Uma funcionária abre a porta e diz:
- senhor professor, temos que sair depressa, a escola vai fechar.
- Mas o que se passa? Perguntou o professor.
- Parece que andam aos tiros ali na Ajuda - diz a funcionária.
É a rebaldaria total na sala de aula.
Saímos todos a correr; encontro no corredor a minha irmã M..
Olhamos uma para a outra e, em grande excitação, sai-nos quase ao mesmo tempo: vamos ver a guerra!
Bem dito, bem feito. Desatámos a correr pela rua abaixo - aquela que vem desde o Alto de Santo Amaro até cá abaixo à Junqueira (não me recordo do nome). Aliás, vinha o Liceu inteiro, mais os da Escola Ferreira Borges, ao lado, a correr desenfreados pela rua abaixo.
Andavam rumores no ar, como era costuma na época. Falava-se em guerra civil. Dizia-se que o Jaime Neves andava em Chaimites a disparar tiros na Calçada da Ajuda.
Quando chegámos ao jardim, na Ajuda, estava tudo cheio de gente, a ver a guerra...
Lembro-me da minha irmã a discutir com um dos Comandos que estava a barrar a rua para que ele a deixasse ir ver a guerra de perto. Ele a mandá-la para trás, e ela a discutir com ele: para trás? Então isto é como antigamente que estamos proibidos de ir onde queremos? Já não há Salazar, agora há liberdade e se eu quiser ir ver a guerra vou.
O homem nunca perdeu a paciência com ela. As coisas em Lisboa eram diferentes. Eu, vinda do Alentejo há poucos meses, achava que aqui em cima era tudo mais ou menos uma brincadeira.
Mais tarde, vi na televisão (penso que nesse dia, mas já não tenho a certeza) o Ramalho Eanes, em cima dum tanque, mãos na cintura em ar de desafio. Em Évora. Lembro-me de pensar que ele tinha muita coragem, porque aquilo em Évora não era uma guerra a brincar como em Lisboa.
Lá em baixo ninguém se punha a discutir com os Copcons do Otelo.
V. S. Naipaul, prémio Nobel da literatura, esteve ontem na Gulbenkian onde leu um excerto do seu livro The Enigma od Arrival (1987). Um livro que fala da importância de restaurar o olhar original, despojado das vestes da cultura, da ideologia e do resto que enforma a visão educada.
O auditório 2 da Gulbenkian não chegou a encher completamente. A média de idade do público devia andar nos quarenta/cinquenta anos. Quase ninguém naquela faixa etária dos estudantes universitários. Dos poucos que estavam, pelo menos quatro saíram passado pouco tempo de Naipaul começar a leitura.
Dá que pensar.
Este é um país onde pouca coisa se passa, culturalmente falando. A Gulbenkian é uma das poucas, se não a única instituição que ainda organiza eventos culturais diversificados, de qualidade, gratuitos e abertos à comunidade; pois convida um escritor premiado e são meia dúzia, por assim dizer, as pessoas que se interessam em ir ouvi-lo.
E isto em Lisboa!
Pergunto a mim mesma se não estamos já a viver as consequências de tantos anos de ataque à educação das humanidades? Tantos anos de desprezo e depreciação das áreas de humanidades, nas escolas e nas universidades?
Ouvimos constantemente queixas sobre os portugueses não serem um povo culto, mas, pergunto eu, como se pode querer que um povo cresça, se se pretende reduzir o seu alimento ao essencial material? Como se pode incentivar a educação do povo quando, paralelamente, se tenta convencer, esse mesmo povo, que estudar é uma chatice e que só interessa o que dá prazer? Que só interessa aprender aquilo que se vai utilizar na profissão? Que ter uma educação superior é uma coisa que não acrescenta nada a ninguém, a não ser que se estude informática ou qualquer coisa do género?
Como é que é possível que a principal estação de televisão do estado só dê programas medíocres que alimentam a ignorância, a cupidez, a inveja, a mediocridade, enfim?
Na verdade, neste país, não se investe nas pessoas.
Quem trabalha com alunos sabe que cada vez é mais difícil conseguir ultrapassar os obstáculos que os iluminados do poder inventam para lhes dificultar o caminho, a pretexto de lhes facilitar a vida.
Hoje em dia, um aluno sem dinheiro mas com qualidade interior que queira progredir nos seus conhecimentos e aceder a uma formação superior, não só tem que ser muitíssimo bom mas também tem que ter muita sorte.
Para o professor, que trabalha de perto com esses alunos e reconhece o seu potencial (muitas vezes nem os pais se apercebem porque lhes falta a formação para tal) é revoltante ver que fora das escolas ninguém parece importar-se com isso.
É revoltante porque podia não ser assim. Se este desgoverno e descontrolo na educação não andasse há anos a estragar o que havia de bom nas escolas e a fortalecer o que havia de negativo, as coisas seriam hoje bem diferentes.
Hoje em dia sabe-se muito sobre o que resulta e o que não resulta na educação. Há muita documentação sobre o assunto. Não era difícil, senão aplicar o que resulta, pelo menos não implementar o que todos sabemos não resultar.
Mas é claro que para que isso se fizesse seria necessário que as próprias pessoas que vomitam leis e decretos e memorandos e quejandos, soubessem sobre o assunto em questão. E não falo de saberes que decorrem daqueles mestrados que estão agora na moda acerca de temas do género Será que no ano passado choveu mais à quinta que à sexta?
Pois é, que apenas pessoas de um tempo em que não era vergonha nem heroísmo tirar um curso de humanidades tenham tido interesse em ir ouvir o que tem a dizer o escritor que ganhou o prémio Nobel da literatura, diz muito sobre o interesse que neste país se dá à educação/formação da pessoa.
Os conhecimentos florescem num contexto cultural que os induz - ou não florescem pura e simplesmente.
Expresso, 22 de Novembro de 2008
Na edição do jornal Expresso de 22 de Novembro António Pinto Leite diz, em relação à ministra da Educação que ela é incompetente por não ter tido a arte de levar a cabo uma avaliação entre pares e que, se o ministério fosse empresa e se ela fosse avaliada, já não estaria no cargo.
Quanto ao primeiro ponto não há dúvida sobre ele. A ministra deu mostra de não ser pessoa capaz desde a primeira hora, pois onde é que já se viu uma pessoa competente assumir a liderança de uma equipa que tem de motivar para que dêem o seu melhor e começar, precisamente, por lhes fazer uma declaração de guerra???!!!
Onde é que já se viu uma pessoa competente querer ganhar a confiança e respeito de uma equipa para que a sigam e assumam os seus propósitos e, simultaneamente, iniciar-se, como que por magia, uma campanha de difamação quase diária sobre essas mesmas pessoas???!!!
E outros exemplos existiriam.
Quanto ao resto do artigo há muito que se lhe diga.
Primeiro, a educação e as escolas não são uma empresa. Se se aplica muitas vezes modelos de gestão de empresas às escolas é porque se confunde as escolas e os professores com o ministério da educação e seus funcionários. Esta comparação é ilícita.
O ministério poderá, talvez, ser comparado a uma empresa (embora nada produza), mas uma escola não pode ser vista como uma empresa. Lá educam-se pessoas, não se fabricam chaves.
O nível de produção de uma escola é intenso, ao nível dos conhecimentos, das iniciativas pedagógicas, didácticas, etc. Basta ir ver o quadro do Plano Anual de Actividades duma escola. Produzem-se materiais para mostras, exposições, concursos (literários, científicos, filosóficos), palestras; organizam-se visitas de estudo a museus, galerias, teatros, etc; elaboram-se jornais, revistas e até manuais escolares; campeonatos desportivos; actividades de multimédia (vídeos caseiros, moodle, blogues, páginas web); experiências de intercâmbio escolar; fazem-se experiências de produção de energias alternativas; organizam-se debates em torno de temas variados actuais; participa-se em actividades e iniciativas da comunidade de contexto (dia do idoso, dia do coração, etc); proporciona-se visitas e participação em projectos internacionais; etc., etc., etc.
Tudo isto se leva a cabo paralelamente ao trabalho diário de leccionação (que implica um planeamento próprio das aulas e actividades, muito rigoroso no caso dos alunos com exames finais), de direcção de turma (com acompanhamento dos alunos nas suas necessidades e problemas bem como contacto e colaboração com os pais e encarregados de educação), de contacto com entidades e parceiros sociais na resolução dos mais variados problemas que vão, desde a segurança da escola à gestão da mediateca e da ciberteca ou ao inventário dos materiais necessários ao funcionamento dos departamentos.
Toda esta actividade é gerada pelo labor e criatividade de professores que funcionam em registos e modelos de criatividade muito diversos. Não é por acaso. A escola básica e secundária é aquela onde se concentram maior número de áreas do saber. Mais até que numa universidade, onde as faculdades estão separadas por área: científicas para um lado, humanistas para outro, económicas, para outro.
Nas escolas, básicas e secundárias, temos pessoas formadas em quase todas as áreas de saber que interagem para cumprir currículos, ultrapassar problemas de alunos e turmas, compatibilizar actividades. Nessa interacção os professores discutem uns com os outros, informam-se uns aos outros e, nessa medida, alimentam o trabalho e a criatividade uns dos outros.
Numa escola onde não há tempo para o estudo, a pesquisa e produção criativas e (ou) onde todos têm que funcionar ao mesmo passo burocrático e onde o fim não é a educação mas o cumprimento cego dum programa de grelhas, nada disto é possível.
Aliás, não é possível, nem desejável, que os professores trabalhem do mesmo modo.
São pessoas formadas em áreas que têm especificidades próprias, métodos de trabalho próprios, que implicam uma certa maneira de estar no mundo, de o ver e pensar. Um professor de artes, um de matemática, um de música, um de filosofia e um de biologia, só para dar uns exemplos, têm, cada um, um modo próprio de abordar a realidade, que passa para o seu trabalho e, por isso, para os alunos, dentro e fora da sala de aula. Até mesmo professores da mesma disciplina têm maneiras diferentes de desenvolver o trabalho. Uns são mais criativos, outros mais organizados, uns mais dinâmicos, outros mais reflexivos. E isso é bom. Não limita os alunos, antes lhes alarga os horizontes e as possibilidades. Pois que estas diferenças não impedem que se atinjam as metas próprias da disciplina/turma/ano de escolaridade.
A escola, para cumprir a sua missão, tem de ser diversa, criativa, rica mas, também e fundamentalmente, colaborante, congregadora de esforços( daí a importância de um quadro de professores estável, onde as pessoas se conheçam e saibam as virtualidades e capacidades uns dos outros de modo a aproveitar-se o melhor de cada).
Ora, numa escola onde os professores que se sentam à mesa para colaborar na resolução dos problemas dos alunos desconfiam uns dos outros, porque uns sabem que os outros ao seu lado foram escolhidos e promovidos com títulos para serem aliados dum poder que tem como finalidade a purga e a subserviência, nenhum trabalho de colaboração (mesmo não criativo) é possível. Mais, fica instalada a desagregação e o individualismo onde é absolutamente necessária a colaboração.
É por isso que o que diz Pinto Leite levanta questões. A ministra sabia bem que tinha de ter cavalos de Tróia dentro das escolas. Escolheu-os criteriosamente e promoveu-os para tal fim. Basta ver quem são os que resistem a esta luta justa dos professores pela educação. Iniciou uma campanha de difamação paralela para reforçar a ideia de que os professores são uma espécie de gang de inúteis.
E, se as escolas fossem uma qualquer empresa onde estas coisas se passam mas ninguém sabe, a não ser os que lá trabalham, e onde a média de formação das pessoas e a necessidade de colaboração são baixas, tudo tinha resultado.
Acontece que as escolas são centenas, os professores são milhares, tudo o que lá se passa tem projecção na comunicação social e, muito importante, os professores não são os estúpidos, imbecis, inúteis, incultos, preguiçosos, comodistas, retrógrados, que a ministra quis que todos pensassem.
A tal arte de manipular muito bem as pessoas para poder manobrá-las sem que elas percebam que estão a ser manobradas só é possível onde as pessoas nunca leram nada, nunca discutiram nada, não sabem nada e levam muito tempo a perceber as coisas.
Não é o caso hoje em dia nas escolas. A seguir àquela época em que muitos dos professores não eram licenciados, e às vezes nem bacharelato tinham, seguiu-se uma época de reduzida oferta que fez com que apenas licenciados e com classificação alta pudessem entrar nas escolas.
Vê-se, aliás, como alguns dos que lideram professores e ainda são dessa época mais antiga, já muitas vezes não acompanham esta classe profissional que é hoje muito diferente.
Então o erro da ministra nesta questão da avaliação foi o de ignorância.
Ignora quem são as pessoas com quem trabalha (ou pensa que são uma continuidade dos funcionários do seu ministério); ignora a natureza do trabalho do professor; ignora por completo a dinâmica das escolas; acima de tudo subestima o brio profissional dos professores e a sua necessidade de autonomia pedagógica para poderem cumprir as suas funções.
Num país pequeno como o nosso onde a informação circula muito rapidamente, a existência de blogues tem contribuído, e muito, para a vivificação da cultura democrática.
Por várias razões, embora ligadas a uma mesma questão: os meios de comunicação social tradicionais – televisão, jornais.
Os blogues fornecem informação em primeira mão, não filtrada pelos meios de comunicação.
Permitem o acesso a uma diversidade de informação nas fontes que, de outro modo, dificilmente alcançaríamos, quero dizer, se tivéssemos de depender dos outros meios já referidos.
Facilitam o conhecimento e o contacto directo com pessoas com quem nos identificamos, culturalmente falando, ajudando à construção de círculos sociais dinâmicos e interventivos. Este factor parece-me fundamental, sobretudo quando as instituições e a vida política em geral se degradam e se fecham à crítica e à renovação.
Ao constituirem-se como vozes críticas assumidas fortalecem a vida democrática.
Também alimentam a esperança na medida em que são prova de que há vida para além do poder. Ficamos a saber, lendo muitos blogues, mais os seus seguidores e comentadores, que, embora sem voz activa nas instituições de poder, há muita gente de muita qualidade a trabalhar por este país fora. Gente que não está adormecida, gente que não desiste de pensar.
É claro que há-de haver por aí muito blogue pouco recomendável. Mas, felizmente, podemos optar por não os ler.
À margem da blogosfera, surgiu no interior da classe profissional dos professores, o fenómeno da ‘mailosfera’, que é idêntico. Hoje em dia, cada vez que abro o mail tenho mais de vinte mensagens de professores. Acontece que algumas até vêm de professores de outras cidades e escolas, gente que nem conheço, mas que, tendo informação «fresca» a põe imediatamente a circular na ‘mailosfera’. E, na verdade, circula.
Esta realidade foi o motor mais importante da autonomia dos professores destes últimos tempos. Por causa desta ‘mailosfera’ os professores já não dependem exclusivamente, como dantes, da informação que outros (sindicatos, meios de comunicação social, conselhos executivos e outras vozes marcadas pelo poder e pela luta pelo poder) facultavam sobre as questões da educação, da política educativa, etc.
Não consigo aceitar o silêncio do senhor Presidente da República a propósito de toda esta questão dos professores.
Já por mais de uma vez o senhor Presidente veio a público defender a senhora ministra e as suas pseudo-reformas mas, nem uma única vez se dignou falar aos professores ou saber das suas razões.
Isto a mim, pessoalmente, ofende-me bastante, e calculo que ofenda também muitos outros professores. É como se os professores fossem um gang perigoso que não merece nenhum tipo de consideração.
Ora, os professores são um grupo social que presta um serviço fundamental à Pátria.
São pessoas instruídas, informadas, que se preocupam com os filhos dos outros e, na sua maioria, estou convencida, cumprem os seus deveres.
Mas poderá alguém pensar, seriamente, que 120.000 pessoas, ou mais, saem à rua, com sacrifício pessoal, só para agitar, por teimosia, por serem retrógrados, por terem medo, por serem comodistas?
Ou, pensará alguém, seriamente que cento e tal mil pessoas são todas manipuladas?
Eu, como muitos outros professores, nunca tive cartão sindical, nunca fui entusiasta de greves e manifestações, nunca andei a reboque de partidos ou facções.
Gosto de trabalhar com os alunos. Acredito convictamente que o único modo de mudar uma sociedade positivamente é através da educação, orientando as pessoas para a autonomia, para a responsabilidade, para os valores da verdadeira democracia.
Acredito que, por isso, presto um serviço nobre e útil, à minha Pátria e tenho orgulho no meu trabalho.
Que o senhor Presidente vote ao silêncio e a um certo desprezo toda uma classe profissional que serve o país e a constituição que ele jurou cumprir e fazer cumprir como se fossem pessoal menor é coisa que incomoda profundamente.
Não sou uma pária. Eu sou do povo deste país, acredito na democracia e votei.
Mais, nos dias que correm, os professores parecem ser o único grupo social consciente dos sinais dos tempos e que mostra estar disposto a lutar pela manutenção da vida democrática.
Lutamos contra quem, com tiques de professora primária salazarista, quer dobrar os professores à subserviência.
Que diabo! Somos herdeiros da civilização das luzes e da revolução de Abril. Não estamos habituados a mendigar o que é nosso por direito próprio.
Estou muito desiludida com o nosso Presidente.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.