Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
Este ano perdi uma turma que trazia desde o 10º ano porque, com a regra de juntarem alunos à matroca até perfazerem 30, as disciplinas do 12º ano de opção, onde os alunos escolhem opções diferentes, passaram a ser uma espécie de restos que se juntam de qualquer maneira até encher a sala. Quer dizer, se 15 alunos duma turma escolhem uma opção A, juntam-se a uma outra turma qualquer onde haja alunos que tenham escolhido a mesma opção, fazendo (só nessas disciplinas de opção) uma única turma. Foi à conta disso que eu e muitos outros professores perdemos as turmas que trazíamos e, para o ano, outros muitos perderão as suas.
Isto é errado por várias razões das quais refiro só três ou quatro:
- a primeira é que a continuidade pedagógica é um factor maior de sucesso. Os alunos e professores já se conhecem, sabem a maneira de trabalhar e rentabilizar o trabalho - é o mais díficil e o que leva mais tempo a fazer com uma turma, essa adaptação mútua ao estilo e ritmos de trabalho e disciplina, após o qual o trabalho, geralmente, corre sobre rodas e, nos anos seguintes, nota-se um aumento contínuo da qualidade e do rendimento do trabalho.
Ora, trocar, de ano para ano, os alunos de turma e, mudar os professores, torna todo esse investimento um trabalho inglório e inútil... com prejuízo para os alunos; o trabalho com crianças e adolescentes não é o mesmo que o trabalho com adultos que mudam de serviço e estão prontos a trabalhar com outra pessoa. Não é nada assim, não, é um processo muito complexo.
- outra razão é que, sabendo nós (agora já não) que continuamos com as turmas, fazemos projectos dum ano para o outro para desenvolver o trabalho com a turma, o que é um factor de motivação, tanto para o trabalho dos professores como para o dos alunos, que agora se perde;
- os alunos estão em idades em que, em termos de sucesso escolar, a ligação que têm com os professores é o seu maior factor de motivação e persistência no trabalho. É ao professor que vão buscar a sua identidade profissional, a sua imagem de competência e a sua confiança/capacidade de investir no trabalho. Cada aluno tem os seus professores preferidos com os quais estabeleceu uma ligação significativa que o ajuda nas alturas de dificuldades, a quem recorre quando tem problemas, seja de estudo, seja de integração na escola, etc., que é rompida assim artificialmente;
- a mudança dos professores afecta a relação com os pais, sobretudo se um dos professores que perde a turma é o DT. Ter já estabelecido uma relação de confiança e trabalho com os pais (o que não é nada fácil nos tempos que correm) e depois mandar isso tudo por água abaixo e ter de recomeçar do zero...
- juntar alunos de áreas diferentes impede um trabalho personalizado, quer dizer, pensado para as características da turma. Por exemplo, esta turma que perdi é de Humanidades e foi adicionada a uma turma de ciências na disciplina de Psicologia do 12º ano. São alunos com características e interesses diferentes. Dar aulas de Psicologia a turmas de Ciências ou de Humanidades não é igual, pois sabendo nós os interesses e características dos alunos vamos buscar materiais próximos da sua prática e escolhemos para aprofundar os temas que sabemos serem do seu interesse. A própria maneira de trabalhar na aula é diferente porque uns gostam muito de trabalhos práticos e outros gostam mais de pesquisar e escrever. Ora, se estão todos juntos não é possível motivar os alunos com temas e práticas que mais os cativam e seduzem porque o que motiva uns desmotiva os outros e vice-versa...
- já não falo, sequer, da dificuldade de trabalhar com uma data de turmas todas com 30 alunos...
Estas são algumas das razões que mostram, se mais razões fossem precisas do que aquelas dos despedimentos em massa camuflados de mobilidade, que o ministro Crato fala muito em sucesso e rigor, etc., mas na prática o que faz é erguer obstáculos e obstáculos e obstáculos no caminho desse sucesso e rigor.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.