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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
V. S. Naipaul, prémio Nobel da literatura, esteve ontem na Gulbenkian onde leu um excerto do seu livro The Enigma od Arrival (1987). Um livro que fala da importância de restaurar o olhar original, despojado das vestes da cultura, da ideologia e do resto que enforma a visão educada.
O auditório 2 da Gulbenkian não chegou a encher completamente. A média de idade do público devia andar nos quarenta/cinquenta anos. Quase ninguém naquela faixa etária dos estudantes universitários. Dos poucos que estavam, pelo menos quatro saíram passado pouco tempo de Naipaul começar a leitura.
Dá que pensar.
Este é um país onde pouca coisa se passa, culturalmente falando. A Gulbenkian é uma das poucas, se não a única instituição que ainda organiza eventos culturais diversificados, de qualidade, gratuitos e abertos à comunidade; pois convida um escritor premiado e são meia dúzia, por assim dizer, as pessoas que se interessam em ir ouvi-lo.
E isto em Lisboa!
Pergunto a mim mesma se não estamos já a viver as consequências de tantos anos de ataque à educação das humanidades? Tantos anos de desprezo e depreciação das áreas de humanidades, nas escolas e nas universidades?
Ouvimos constantemente queixas sobre os portugueses não serem um povo culto, mas, pergunto eu, como se pode querer que um povo cresça, se se pretende reduzir o seu alimento ao essencial material? Como se pode incentivar a educação do povo quando, paralelamente, se tenta convencer, esse mesmo povo, que estudar é uma chatice e que só interessa o que dá prazer? Que só interessa aprender aquilo que se vai utilizar na profissão? Que ter uma educação superior é uma coisa que não acrescenta nada a ninguém, a não ser que se estude informática ou qualquer coisa do género?
Como é que é possível que a principal estação de televisão do estado só dê programas medíocres que alimentam a ignorância, a cupidez, a inveja, a mediocridade, enfim?
Na verdade, neste país, não se investe nas pessoas.
Quem trabalha com alunos sabe que cada vez é mais difícil conseguir ultrapassar os obstáculos que os iluminados do poder inventam para lhes dificultar o caminho, a pretexto de lhes facilitar a vida.
Hoje em dia, um aluno sem dinheiro mas com qualidade interior que queira progredir nos seus conhecimentos e aceder a uma formação superior, não só tem que ser muitíssimo bom mas também tem que ter muita sorte.
Para o professor, que trabalha de perto com esses alunos e reconhece o seu potencial (muitas vezes nem os pais se apercebem porque lhes falta a formação para tal) é revoltante ver que fora das escolas ninguém parece importar-se com isso.
É revoltante porque podia não ser assim. Se este desgoverno e descontrolo na educação não andasse há anos a estragar o que havia de bom nas escolas e a fortalecer o que havia de negativo, as coisas seriam hoje bem diferentes.
Hoje em dia sabe-se muito sobre o que resulta e o que não resulta na educação. Há muita documentação sobre o assunto. Não era difícil, senão aplicar o que resulta, pelo menos não implementar o que todos sabemos não resultar.
Mas é claro que para que isso se fizesse seria necessário que as próprias pessoas que vomitam leis e decretos e memorandos e quejandos, soubessem sobre o assunto em questão. E não falo de saberes que decorrem daqueles mestrados que estão agora na moda acerca de temas do género Será que no ano passado choveu mais à quinta que à sexta?
Pois é, que apenas pessoas de um tempo em que não era vergonha nem heroísmo tirar um curso de humanidades tenham tido interesse em ir ouvir o que tem a dizer o escritor que ganhou o prémio Nobel da literatura, diz muito sobre o interesse que neste país se dá à educação/formação da pessoa.
Os conhecimentos florescem num contexto cultural que os induz - ou não florescem pura e simplesmente.
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