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Impressiona que pessoas adultas evidenciem uma total falta de conhecimento e compreensão acerca dos mecanismos psicológicos de defesa do ego. Impressiona a superficialidade com que julgam a analisam os mecanismos do comportamento como se o ser humano fosse definível em três linhas num livro de lógica.

Esta articulista acha que é puritanismo criticar o maestro Levine por assediar, abusar e chantagear adolescentes de 15, 16, 17 anos ou jovens de 20 anos porque afinal, se eles não quisessem não iam com ele e acontece que muitos continuaram a fazer o que ele queria durante anos.

As coisas que ela não percebe:

O problema primeiro está em ter um predador pedófilo num lugar de poder onde pode exercer pressão, chantagem e o que mais quiser sobre adolescentes.

O maestro não estava a seduzir pessoas, estava a chantagear, a fazer exigências, do alto do seu imenso poder, a troco de lhes permitir ter uma carreira.

Os adolescentes são, em geral, pessoas muito inseguras de si; com gande necessidade de integração e de aceitação; salvo excepções, os adolescentes são emocionalmente imaturos, estão em construção de identidade, inclusivé, sexual. Porque estão na fase da vida em que a construção da identidade se torna mais premente são contraditórios, têm comportamentos de risco, são instáveis e facilmente manipuláveis.

Os adolescentes chegam a estes lugares de trabalho ainda muito novos e a aceitar a autoridade como tal, no que aliás são aconselhados pelos pais e outros adultos a querem agradar ou não desiludir. Muitos, se não todos, teria muito medo de dizer não a um indíduo com o poder deste homem que é o poder de lhe fechar as portas num mundo pequeno como é este da música erudita para o qual se treinam 5 ou 6 horas por dia desde os cinco anos de idade. Quantos não vivem pressionados pelos pais a seguirem uma carreira, a fazerem 'o que for preciso' para ter sucesso, para merecer o dinheiro investido, etc.

Ninguém os prepara para uma situação destas e imaginamos um miúdo de 15, 16 ou 17 anos chegar à orquestra com um enorme respeito, admiração e até reverência por um maestro de tão grande reputação e deparar-se com uma situação destas... imaginamos o choque, a confusão, o não saber o que fazer e a vergonha de dizer a alguém o que se passou, sobretudo porque sabem que ninguém lhes daria crédito contra o maestro.

Uma pessoa que tenha cedido contra a vontade ou o instinto às exigências do maestro necessariamente é alguém que vive em cisão traumática consigo mesmo, que tem dificuldade em aceitar-se, que gasta muita energia psíquica a recalcar essa negatividade e as maneiras que as pessoas arranjam para lidar com essa repugnância pelos atos e por si próprios são muitas: desde a negação à continuação dos actos como forma de recusar-se o estatuto humilhante de vítima, o que é uma outra forma de negação.

Nada disto tem a ver com puritanismo. Tem a ver com abuso de adultos com poder sobre adolescentes e fica-se estupefacto com a falta de conhecimento e de compreensão de pessoas adultas pelos mecanismos internos psíquicos dos seres humanos como se as pessoas fossem um livro de lógica.

Ela acusa os outros de serem puritanos maniqueístas (põe os sensatos de um lado e os insensatos do outro) mas é ela a maniqueísta que põe de um lado os indivíduos que disseram 'não' como sendo os morais e do outros os que cederam como sendo os imorais, já que, se não disseram 'não', agora não venham queixar-se. Portanto, há os cobardes que até subiram na vida à conta do maestro e os corajosos que disseram não. Isto é não perceber nada de nada acerca do que são os corruptores e do seu efeito nas vítimas.

Aliás, o título que dá ao artigo, 'A vida sexual de James Levine', mostra logo que confunde o crime com uma opção de sexualidade. É como se, para falar do caso de um homem que matou a mulher por ciúmes se dissesse, 'a vida amorosa de fulano de tal'. São estas pessoas que acham que as mulheres que se queixam de assédio, de violação, só querem dar nas vistas e que se tivessem sofrido mesmo tinham logo denunciado e que muitas se calhar até gostaram ou aproveitaram-se da situação, etc.

Calculo que a articulista, se alguma vez leu ou ouviu falar do Fausto de Goethe não percebeu nada ou pensa que é uma história infantil.

 

A vida sexual de James Levine

Esta não é a história de um vilão que fecha anjos na cave. James Levine era um tarado sexual, mas os jovens que seduziu mediram a utilidade que o sexo com o maestro teria nas suas carreiras.

Os neo-puritanos abriram um novo fosso que põe os sensatos de um lado e os insensatos do outro.

 

publicado às 07:16


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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