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É que o programa de Filosofia era um programa coerente e bem pensado e agora, depois de introduzirem as AE sem alterar o programa mas, incongruentemente, obrigando, na prática, a alterá-lo, no 10º e 11º, uma vez que as AE passaram matéria do 11º para o 10º e vice-versa sem se interessarem em manter a coerência a lógica do programa ou, mudá-la, agora, como dizia, o programa é caótico. 

 

Acresce a isso, os manuais não terem sofrido alteração de modo que o manual do 10º ano tem matéria que agora só se aborda no 11º e falta-lhe a matéria que passou do 11º ano para o 10º, como a lógica, que ainda por cima foi modificada em termos de conteúdo de modo que nem o manual do 11º tem esse conteúdo para uma pessoa ir lá buscar fichas, por exemplo. 

 

A mim não me incomoda ter que fazer eu fichas de lógica mas incomoda-me a incoerência do programa e as queixas dos pais que se adivinham, pois gastam dinheiro num manual que não serve. Para além de que o programa, com esta introdução disparatada de meses a dar lógica tornar quase impossível dar todo o programa e muito menos em condições.

 

O programa estava organizado do seguinte modo: no 10º ano abordava-se a questão da acção humana no mundo (nas dimensões ética, política, estética, religiosa) e no 11º abordava-se a questão do conhecimento: a lógica, a argumentação, a epistemologia.

 

Agora a lógica passou para o 10º ano mas a argumentação ficou no 11º ano... ora, a lógica na Filosofia serve o propósito da argumentação... podem dizer-me, 'mas no 10º ano também se argumenta' - sim, é verdade, mas procuramos a solidez na argumentação porque não se pode reduzir a Filosofia e o conhecimento da Filosofia, sobretudo num ano inicial, a técnicas de lógica. Querer validar materialmente o discurso epistemológico a partir de operações formais é confundir os dois planos. Faz lembrar um artigo de um professor universitário de Filosofia (que se intitula de Filósofo... as pessoas têm-se em grande conta...) que saiu há um par de meses num jornal  diário a argumentar contra o aborto usando tabelas de verdade da lógica formal... um absurdo.

 

Entretanto, a dimensão estética e a religiosa da acção humana passaram para o 11º ano, embora a acção humana se dê no 10 ano e não no 11º ano...

 

Enfim, esta equipa da educação é tão má, tão má, têm degradado tanto as coisas na escola que é difícil uma pessoa não se irritar, pois nós é que estamos nas escolas e temos que trabalhar com os alunos e dar sentido ao estudo e às aprendizagens.

 

A minha escola já tem algumas disciplinas organizadas por semestres há uns anos e, portanto, já dá para fazer um balanço das vantagens e desvantagens.

Todos os colegas com quem falo dizem que a desvantagem de os alunos ficarem de 9 meses até um ano sem contacto com a disciplina anula qualquer vantagem. O pior, dizem, é nas línguas, onde os alunos perdem completamente tudo o que aprenderam. Isto acontece porque os alunos têm, vamos supor, inglês no 1º semestre e em Fevereiro começam com a História, até Junho. Depois pode acontecer no ano seguinte, os alunos começarem o ano com a História e só em Fevereiro voltam ao inglês, o que significa que ficam um ano inteiro sem contacto com o inglês. Na melhor das hipóteses ficam 9 meses sem contacto com a disciplina e, na pior, um ano inteiro. É voltar à estaca zero.

 

Isto dos semestres foi para imitarem as universidades (há uma tendência nas escolas de quererm uniformizar o que é diverso e outra de imitarem as universidades com o intuito de isso lhes subir o estatuto, ou algo do género... não compreendo... o ensino médio, básico e secundário, tem características e objectivos próprios) mas as escolas e os alunos das escolas não são alunos com características universitárias.

Eu até penso que mesmo nas universidades, terem acabado com as disciplinas anuais, sobretudo em certos cursos, para abolenhesarem os cursos, prejudicou muito a qualidade do ensino porque nada se estuda em profundidade, é tudo superficial. Isso em certos cursos, como a medicina, é um bocado assustador.

 

Enfim, está uma pessoa aqui a fazer contorcionismo para dar coerência e sentido a um programa que tinha defeitos mas era bom e agora é incoerente e desequilibrado.

 
 

publicado às 13:51


Exame de filosofia com notas baixas

por beatriz j a, em 15.07.19

 

Média dos exames foi positiva em todas as disciplinas à exceção de uma

As médias foram todas positivas, ou seja acima dos 100 pontos – dez valores -, à exceção da nota de Filosofia, que ficou nos 98 pontos...

 

Isto não espanta. O exame de Filosofia não é obrigatório, de modo que quem faz o exame de Filosofia são: os alunos que chumbam na disciplina e têm que ir fazer o exame para passá-la; os alunos que têm medo do exame de FQ, de Biologia, de Geografia e substituem-no pelo de Filosofia (um aluno pode substituir um único exame de uma cadeira específica pelo de Filosofia) na esperança de que seja mais fácil.

Portanto, estes dois tipos de alunos, que são a esmagadora maioria dos que fazem exame de Filosofia, são ambos fracos alunos, ou porque não conseguiram passar à disciplina ou porque são fracos às disciplinas específicas dos seus cursos, o que já diz muito e, querem evitar o seu exame.

Depois sobram os bons alunos que optam por ir fazer o exame de Filosofia em substituição de outro para subir a média do ano. Estes, quer dizer, os bons alunos a todas as diciplinas, são uma minoria e, geralmente tiram muito boas notas nos exames em quaisquer condições.

Portanto, a maioria dos que fazem exame de Filosofia são alunos que não conseguem atingir os mínimos, nem na disciplina de Filosofia nem em outras durante todo o ano, de modo que não espantam os maus resultados.

Acresce a isso o facto de o exame de Filosofia não estar feito para os mínimos, para alunos fracos. Diríamos que o produto não é congruente com o público alvo. Se devia ser assim já é outra questão diferente.

 

publicado às 18:47


Damn right!

por beatriz j a, em 13.04.19

 

 

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É claro que se enganou depois em quase tudo e esses criminosos que aparecem atrás dele na capa da revista deste mês são a prova disso. Não falhou uma, nem duas vezes mas, todas as vezes que foi posto em prática. O indivíudo que escreve o editorial pensa como eu acerca duma questão que já várias vezes discuti com um amigo: é que o Marx via os processos históricos como coisas autónomas e esquecia-se que quem põe em prática os modelos sociais dos tais processos são pessoas e que as pessoas têm ambições, sede de poder, vícios, muitas são sociopatas e até psicopatas. Aliás, o modelo que ele imaginou atraiu vários desses. E enganou-se em outras coisas também. 

A questão que se põe é: porque voltou a ser relevante depois do século XX ter mostrado o falhanço do marxismo como modelo social? Talvez porque as condições de revolta que o levaram a desenhar uma revolução estejam hoje muito parecidas, em termos económico-sociais, com as de então. E apesar de ter falhado no modelo que imaginou, o diagnóstico que faz da situação voltou a ser relevante.

 

 

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publicado às 19:07


E filosofia, claro :)

por beatriz j a, em 07.03.19

 

Hoje enquanto andava a fazer tempo à espera da hora das consultas médicas entrei numa livraria que tem um cafezinho, comprei este livro e li-o. Deixo aqui três páginas.

Os pensamentos dos filósofos são terrenos tão fertéis que a impressão que temos ao lê-los, mesmo em leituras leves como a desde livro que é um discurso apresentado na comemoração do aniversário de um compositor, é a de um mergulho que nos afasta logo da superfície das coisas e penetra na densidade dos seus significados; como se entrássemos com uma lanterna acesa num quarto escuro e de repente aquela parte da realidade, iluminada se revelasse e nos permitisse distinguir com clareza as coisas umas das outras e ver a sua posição relativa, enquadramento, sentido e projecção no futuro.

 

 

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publicado às 22:45

 

A teoria da relatividade de Einstein foi inspirada em David Hume

 

Uma carta descoberta na Universidade of Edinburgh mostra que Einstein estudou o Tratado da Natureza Humana de Hume mesmo antes de propôr a relatividade restrita em 1905.

 

Foi Hume quem primeiro questionou se o espaço e o tempo seriam fixos e independentes um do outro e sugeriu a necessidade de mais investigação científica sobre o o assunto.

 

No Tratado da Natureza Humana publicado em 1738 Hume escreveu, 'A principal objecção contra o raciocínio abstracto deriva das ideias de Espaço e de Tempo. As ideias no quotidiano podem parecer claras e inteligíveis mas quando se sujeitam ao escrutínio das Ciências profundas... aparecem cheias de absurdo e contradição."

 

Na carta que escreveu ao Professor de física em Viena, Moritz Schlick, em Dezembro de 1915, Einstein admite ter-se inspirado em Hume para a teoria da relatividade geral. 

“Viu correctamente que esta linha de pensamento teve grande influência nos meus esforços e, de facto, Ernst Mach e mais ainda Hume, cujo Tratado estudei com entusiasmo e admiração pouco antes de encontrar a teoria da relatividade." E continua, "sem estes estudos filosóficos é muito possível que não tivesse chegado à solução."

 

Esta nova carta foi descoberta pelo Professor David Purdie no Institute of Advanced Studies da Universidade de Edinburgh.

 

Quando andava pelos vinte e tal anos Einstein trabalhou como funcionário no escritório federal suíço de patentes, em Berna, ao mesmo tempo que desenvolvia as suas teorias da relatividade. Fazia parte do grupo chamado, A Academia Olímpica, que reunia semanalmente para discutir física e filosofia.

Foi aí que conheceu o Tratado da Natureza Humana de David Hume.

A obra é considerada uma das mais importantes obras filosóficas alguma vez publicadas e a primeira a questionar seriamente Deus e o lugar do ser humano no mundo, muito antes de Darwin.

 

Albert Einstein's Theory of Relativity was inspired by Scottish philosopher

 

Para quem o quiser ler em portuguêshttps://pt.scribd.com/document/343038459/David-Hume-Tratado-da-natureza-humana-Ed-Unesp-pdf

 

Para quem quiser ler um resumo em edição bilíngue, https://marcosfabionuva.files.wordpress.com/2011/08/resumo-de-um-tratado-da-natureza-humana.pdf

 

Para quem o quiser ler no original, A Treatise of Human Nature

 

Curiosidade: anda à venda no ebay uma edição desta obra por £1,808.05 a pronto ou £ 85.28 por mês durante 24 meses. Não, não é uma primeira edição nem nada disso. É de 2002 e em Paperback. Está tudo doido...

 

publicado às 18:02

 

[Minus the bad language...] depois conto :)

 

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publicado às 11:50

 

 

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 via Philosophy Matters

 

publicado às 07:24


'O espanto é o princípio da Filosofia'

por beatriz j a, em 16.07.18

 

 

 

publicado às 09:19


O criador e a obra

por beatriz j a, em 14.02.18

 

What Is to Be Done with the Art of Monstrous Men? (Claire Dederer) 

When Your Favorite Philosopher is a Bigot (Peter Adamson)

 

 O que fazer à arte de homens monstruosos? Nada. A arte, uma vez materializada e mostrada torna-se pública e já não pertence ao seu criador, mesmo que lhe pertença fisicamente. É certo que a discussão acerca do que é arte e do que não é arte é muito difícil mas o que não é difícil é perceber que a obra e o seu criador são entidades completamente separadas e que uma obra não se julga imoral por assim julgarmos o seu autor. Se a obra quer ter alguma verdade, há-de mostrar o que é belo e o que é feio, sendo que o feio, se é verdadeiro, é também belo.

É sabido que a maioria dos artistas, pelos menos dos grandes artistas -sejam escritores, escultores, músicos, pintores, etc.- são pessoas obcecadas pelo trabalho ao ponto de negligenciarem família, roubarem, e sei lá mais o quê. Não passaria pela cabeça de alguém rejeitar a teoria da relatividade por sabermos que o Einstein foi nojento no modo como tratou a primeira mulher. A arte é igual. Se um sádico pôs na tela o seu sadismo, isso dá-nos a nós um insight sobre o modo de ser e olhar do sádico. Mostra o que é, e essa 'verdade' é, independentemente do artista, que nem precisamos saber quem é.

Agora, se a arte se separa do artista e uma vez pública pertence-nos a todos na sua polissemia, também é verdade que não somos obrigados a dar prémios e honras aos artistas se foram (ou são) pessoas nojentas. Mas não há linhas claras nestes assuntos, como se estivéssemos a falar da diferença entre um peso atómico e outro.

 

E o que fazer quando o nosso filósofo preferido é um preconceituoso? Pois, nada. São quase todos. Se uma pessoa, uma mulher, sobretudo, deixasse de ler os filósofos por causa do seu machismo grosseiro não lia praticamente nenhum. Lá está, é preciso separar o indivíduo, com a sua mentalidade muito da época em que viveu e do contexto em que cresceu daquilo que é a obra que o transcende. As Filosofias, como se sabe, têm um pé no seu tempo particular e outro no tempo universal. Se temos pena quando lemos certas coisas que Kant escreveu sobre as mulheres? Pois temos mas que se há-de fazer? Somos sempre mais cegos acerca dos nossos preconceitos que acerca dos dos outros e, isso é válido, mesmo para os grandes filósofos.

 

publicado às 13:28


dos alunos do 10º ano

por beatriz j a, em 01.12.17

 

 

Passei o dia a corrigir testes do 10º ano. Resolvi fazer uma questão com os dois textos citados em baixo, numa das turmas, para ver o que os miúdos eram capazes de reflectir e dizer sobre o assunto visto que andámos um pouco à volta disto numa aula em que falámos de um argumento do Platão no Fédon sobre a diferença entre perguntar pelo movimento das coisas, pelo funcionamento e pela técnica e perguntar pelo sentido e porquê das coisas. Gosto de pôr nos testes uma questão que permita ver quem é capaz de ir mais além e tem já alguma autonomia de pensamento. Tenho uma meia dúzia de respostas tão interessantes e bem pensadas que fiquei animada. A melhor das respostas é de um miúdo muito calado que mal dou por ele nas aulas no meio daquela gente toda...

No 10º ano entro na Filosofia muito devagar para dar tempo a que se adaptem e desenvolvam certas competências de pensamento e de escrita. Não me interessa o que dizem os manuais em uso que passam por cima, a correr, desta questão e entram logo a falar da lógica e da argumentação o que me parece errado por dar uma ideia retórica e sofista, no uso prejurativo do termo, da filosofia. Eu gosto de começar o 10º ano com Heraclito e Parménides -que não aparecem am manual algum- e o que se aprende com estes dois filósofos pré-socráticos usa-se recorrentemente e com muito lucro ao longo dos dois anos do curso.

 

“Num mundo altamente especializado onde a prioridade é dada à produção de bens, ao consumo e ao prazer, cada vez é mais necessário encontrar um saber que nos ajude a refletir sobre os nossos valores, para podermos encontrar normas de vida, uma sabedoria que permita um mundo no qual conhecimento e justiça social possam coexistir” (J. B)

Depois de ter interrogado o mundo como matemático, biólogo, médico, economista, posso ainda pensar em mim próprio e perguntar: E eu, quem sou eu, que me ocupo da ciência, da técnica, da economia? Qual o sentido da minha existência como totalidade? O que é que, em última análise, valho eu e a minha vida? (Dondeyne)

 

publicado às 18:50


A última lição de Fernando Savater

por beatriz j a, em 27.11.17

 

La última lección de Fernando Savater

El público del Juan Rulfo escuchó de pie en los pasillos lo que el pensador tenía que decir en una noche que celebró la libertad. “Una persona libre nunca se pregunta esto que oímos siempre ¿qué va a pasar? Las personas libres tienen que preguntarse ¿qué vamos a hacer? Porque pasará lo que dejaremos que pase. Nadie vendrá a salvarnos de ninguna parte”. Después volvió al pesimismo que lo ha marcado recientemente. “Todos nacemos rodeados de males y vamos a morir rodeados de males. Podemos aspirar a que los males del final no sean iguales a los males del principio. Es lo único que se puede esperar”. Esa ha sido la última lección de Fernando Savater en Guadalajara.

 

Savater, que sempre recusou o título de filósofo, tem imenso talento para tornar claras ideias complexas. Tem vários livros escritos para um público jovem. É um autor que uso nas aulas justamente por essa razão de problematizar de maneira muito clara e acessível a uma idade adolescente, certas questões da filosofia.

Fui ouvi-lo uma vez, há uns anos, numa conferência sobre educação, penso que organizada pela Fundação Manuel dos Santos, na Faculdade de Ciências de Lisboa. Ele mais outro espanhol e o Nuno Crato eram os conferencistas, este último a menos de um ano de tornar-se ministro da educação. Gostei muito de ouvir Savater falar sobre o que é a educação e o seu papel no projecto da UE. Em contrapartida, fiquei muito mal impressionada com o Nuno Crato que me pareceu um ignorante no que respeita à importância da cultura na formação da pessoa e de um contexto de nutrientes de uma sociedade - no que estava certa, como se veio a ver. 

 

publicado às 06:25


do ensino da Filosofia

por beatriz j a, em 02.09.17

 

 

A moda actual dos fazedores de manuais de Filosofia, em geral, é considerarem-nos como sebentas para os alunos e, por isso, dispensam os textos dos filósofos e substituem-nos por interpretações pessoais dos temas e dos filósofos. Alegam que quando os filósofos escreveram os textos não foi com intenção de serem lidos por alunos do secundário mas por especialistas e também que os alunos não os entendem sozinhos. À conta disso e de partirem do princípio que a Filosofia é mera argumentação técnica, os manuais são longas listas de argumentação dos autores dos manuais. Transformam a análise de um problema numa receita de técnicas, cada uma com o seu nomezinho, às vezes idiota, como por exemplo, falar em argumentação branca e negra, o que até é uma linguagem racista.

 

Enfim, não sei porque se ensinam aos alunos expressões matemáticas e textos da Física em vez de os substituirem por técnicas dos autores dos manuais dessas disciplinas... é evidente que o Newton, o Einstein e muitos matemáticos escreveram para especialistas e não para alunos do secundário...

Nesta posição teórica, os professores são pensados como funcionários/emplastros, aplicadores de técnicas: os livros dizem a argumentação que os alunos devem saber e o professor está ali apenas para testar se a decoraram como deve ser. Depois pensam que estão a dizer a 'sua opinião'.

 

Há uns anos apanhei uma turma de alunos inteligentes que tinham sido de um professor que esteve lá e é o típico representante deste modo de encarar o ensino da Filosofia de modo que treinou os alunos para serem como ele. Os alunos sabiam desfiar todos os argumentos a favor e contra isto ou aquilo mas, quando lhes punha uma questão e lhes pedia para problematizá-la e analisá-la conceptualmente e levá-la até às suas consequências práticas ou até aos seus princípios, não sabiam e limitavam-se a repetir os argumentos que tinham decorado. 

 

Se a Filosofia no ensino secundário não permite uma autêntica metanoia falhou o seu intento. A problematização tem que fazer-se a partir dos filósofos, fontes inesgotáveis de saber e sabedoria e não dos seus interpretadores, técnicos sem espírito, a maioria deles. Mesmo a argumentação, esse instrumento que permite chegar a princípios e à consciência da ligação entre os princípios e os casos práticos, bem como os próprios princípios, devem os alunos haurir de eles mesmos. Essa é a função do professor e não ensinar a argumentar. A argumentação é uma rúbrica do programa, não é 'o' programa.

 

Descobri a Filosofia aos 17 anos com um texto de Heidegger, um filósofo não propriamente fácil de ler. Foi uma revelação e um amor à primeira vista e soube imediatamente que tinha de ir estudar Filosofia. Felizmente, nessa altura, não substituiam os textos dos filósofos por textos de autores de manuais pois muito provavelmente não me teria interessado um átomo.

 

publicado às 12:37


O que faz gostar de ensinar?

por beatriz j a, em 15.05.17

 

 

* Na idade em que apanho os alunos, entre os 15/16 e os 18/19 anos, ainda estão a definir-se, ainda são pessoas optimistas, idealistas, capazes de mudar (depois disso começa a ser difícil mudar porque a maioria das pessoas cristaliza) e sendo eu uma optimista, acredito que é pela educação que se vão mudando as sociedades. 

 

* Temos um impacto positivo na vida dos alunos (se nos deixarem trabalhar e não nos sabotarem). Não em todos, claro, mas em muitos. Temos o poder de ajudar, de orientar, de inspirar. Uma sala de aula é um pequeno modelo de sociedade: o que fazemos e como o fazemos mostra as possibilidades positivas de uma sociedade.

 

* Uma pessoa pode dar aulas vinte anos e continua a ser surpreendida porque os seres humanos não são iguais, as dinâmicas das turmas não são iguais e isso obriga-nos a maleabilidade, a estar alerta e despertos. Temos que estar sempre em bicos de pés, não nos podemos acomodar. 

 

* O prazer gratificante de ver no olhar de um aluno aquele brilho de quem acabou de ligar os pontos e compreender as coisas.

 

* Acompanhar a evolução dos miúdos desde o 10º ao 12º ano. Ver o crescimento, a maturação intelectual... ver um ser humano em construção é uma coisa extraordinária.

 

* A maioria dos adolescentes tem qualquer coisa interessante que nem sempre é fácil descobrir mas, descobri-lo é um desafio que gosto.

 

* Uma pessoa aprende muito com os alunos porque os adolescentes não têm filtros sociais e dizem-nos, por palavras ou comportamentos, o que pensam de nós e do nosso trabalho: aprende-se a ser paciente, a desvalorizar certas atitudes que noutro contexto não aceitaríamos, aprende-se a ter uma visão abrangente, aprende-se a reconhecer padrões de evolução, aprende-se a aceitar as nossas próprias insuficiências.

 

* É fantástico quando uma turma, ou até um aluno apenas, se apaixona pelo conhecimento e desata a querer saber tudo, a questionar tudo, a entusiasmar-se com tudo e a evoluir duma maneira que nem acreditamos (tenho uma turma de 12º ano que é assim desde o 10º ano).

 

* Damos por nós a emocionarmo-nos de cada vez que um aluno supera dificuldades e consegue atingir objectivos.

 

* É giro ver os miúdos serem críticos, criativos e organizarem-se quando têm o controlo de certas tarefas.

 

* De vez em quando encontramos ex-alunos e damo-nos conta do impacto que tivemos na sua aprendizagem e crescimento intelectual. Isso é extremamente gratificante.

 

* Gerir o tempo de trabalho mesmo que isso me faça trabalhar a maioria dos fins de semana.

 

* Reconhecer o potencial de um aluno difícil e insconsciente do seu valor, ter a coragem de não desistir dele e ser capaz de ajudá-lo a libertar esse potencial, é uma sensação de realização como não há outra.

 

* Ensinar é, sobretudo, divertido, quando tudo corre excelentemente bem numa aula e vemos que os alunos estiveram entusiasmados, o que não é o pão nosso de cada dia e, nunca é garantido, por muito bem que se prepare as aulas.

 

* Obriga-nos a ter uma atitude positiva e a reavaliar constantemente o que fazemos e como o fazemos.

 

* Praticamente todos os anos fazemos amigos entre os alunos.

 

* Até os alunos que não gostaram de nós nos ajudam: mantêm-nos os pés na terra.

 

* Quando as aulas correm bem é como se aquela sala de aula fosse a totalidade do Universo e enquanto estamos ali tudo faz sentido, mesmo o que não faz sentido e, tudo podemos.

 

* Ensinar é o contrário de aborrecimento. Não há dois dias iguais, apesar de haver rotinas e padrões.

 

* A maioria dos miúdos quer muito acertar na vida e não sabe como e podemos ajudar alguma coisa, ser a oportunidade que precisam.

 

* É claro que poder passar parte do dia mergulhada na Filosofia é meio caminho andado para gostar de dar aulas. E como a Filosofia que se faz neste nível é básica, estamos sempre numa actividade de discussão de problemas fundamentais.

 

 

publicado às 18:40


Uma pequena novela gráfica

por beatriz j a, em 11.05.17

 

 

... acerca da Filosofia do século XVII.

Muito engraçada, apesar das imprecisões e simplismos.

 The images in this article have been excerpted from Steven Nadler and Ben Nadler's book, Heretics!: The Wondrous (and Dangerous) Beginnings of Modern Philosophy.

 

(via The Atlantic)

 

publicado às 18:49

 

Silicon Valley executives are hiring philosophers to teach them to question everything

 

Um filósofo e, por consequência, a Filosofia, não existem sem o pensamento crítico mas, não se reduzem a ele. Por se confundirem, frequentemente, as duas coisas, é que hoje em dia se chama filósofo a qualquer um que pense qualquer coisa sobre qualquer coisa.

 

 

publicado às 05:59


dos filósofos - Livros para descarregar

por beatriz j a, em 26.03.17

 

 

PLATÃO bibliografia em PDF para download + 15 livros:
Para ver, é só clicar: http://bit.ly/2nKdT6p

A REPÚBLICA | APOLOGIA DE SÓCRATES | AS LEIS | COLEÇÃO OS PENSADORES (O BANQUETE, FÉDON, SOFISTA E POLÍTICO) | CRITON | FEDON | FEDRO, OU, DA BELEZA | FILEBO | GORGIAS | O BANQUETE | O SOFISTA | PARMENIDES | POLÍTICO | TEETETO | TIMEU

 

(filosofandoporaiblog.wordpress.com)

 

 

publicado às 12:25


O que gosto nesta pintura?

por beatriz j a, em 07.03.17

 

 

Ruisdael, 'Pântano' (pormenor)

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Vi esta pintura no Hermitage. Impressiona imenso.

Quer seja religiosa, mitológica ou represente a vida quotidiana, adoro a pintura flamenga renascentista [e o Hermitage está cheio dela]. Gosto particularmente das naturezas mortas e das cenas de densos bosques, florestas de carvalhos e áceres quebrados por rios turbulentos e quietos lagos onde repusam os viajantes ou os pastores, por onde espreitam os faunos a dança das ninfas. Há qualquer coisa primeva e mágica nestas pinturas que admitem as sombras, não como uma representação visual mas como uma força inerente à vida humana. Uma imensa força que não se percebe noutras escolas/épocas de pintura. Quando postas lado a lado são um bocadinho como pôr a escultura da Pauline Borghese do Canova ao lado do escravo do Miguel Ângelo. Não é que as esculturas do Canova não sejam lindas mas as esculturas do M. A. têm uma verdade e uma força que irrompem de dentro e nos afectam. Para se ser um grande artista não basta ter uma grande técnica, é preciso ter um olhar crítico e inteligente sobre as pessoas e o mundo. No Renascimento, talvez por ser uma época em que na Filosofia, na vida e na Arte se tentava recuperar o olhar verdadeiro encoberto por séculos de obscurantismo religioso, toda a arte tem uma força vital e vera e o olhar dos artistas tem uma dimensão filosófica e existencial.

 

 

publicado às 06:02


Descartes é lindo!

por beatriz j a, em 03.03.17

 

 

Estamos na parte do programa em que falamos do conhecimento (no 11º ano) e em que se dá o racionalismo cartesiano. Chegou à escola uma colega para fazer uma substituição e emprestei-lhe o manual do ano até a editora lho enviar. Fi-lo sem nenhum favor porque o livro é uma bela porcaria. Falta-lhe matéria do programa e nem para sebenta serve porque é confuso e desinteressante. Textos de filósofos são quase ausentes [foram substituidos pelas exposições infindáveis dos autores] e quando os têm são quase sempre de um filósofo qualquer que está na moda. É claro que fazendo o Descartes parte do programa lá têm um excerto ou outro no meio de dezenas de páginas de interpretações dos autores que só atrapalham o trabalho.

Em vez de seguir aquilo tirei cópia dos excertos do Discurso do Método que interessam para dar o racionalismo cartesiano, meia dúzia de páginas, e estamos a reflectir sobre o tema a partir do pensamento do próprio autor. Os alunos no geral, estão a gostar, claro, porque os grandes filósofos são geniais a perceber os aspectos fundamentais do pensamento e da acção humanas, falam dos problemas que nos são comuns enquanto seres humanos (mesmo que às vezes a linguagem que usam possa fazer parecer que não) e, uma vez percebido, o seu ponto de vista funciona como uma espécie de revelação de partes da realidade que nos dizem respeito mas que ignorávamos ou nunca tínhamos compreendido ou que compreendíamos mal.

Como Descartes escreve o Discurso à laia de um diário do seu percurso mental na descoberta de certezas o que fazemos enquanto leitores racionalmente activos é entrar no seu raciocínio e percorrer, com ele, o caminho/experiência mental que ele fez. Como ele foi um indivíduo genial, em cada frase dele se descobrem ensinamentos significativos, ideias fecundas, pista para pensar.... E o pensamento dele é lindo, lindo, lindo!

Como se pode ter um programa que não incentive o estudo dos problemas a partir dos próprios filósofos e como se permitem manuais onde a maioria das páginas são, não dos filósofos mas de pessoas que são... autores de manuais? E porque é que se acabou com o estudo de uma obra filosófica, ou de uma parte, pelo menos, em cada ano, como se fazia há uns anos? Servia vários interesses pedagógicos.

O programa do 11º ano podia modificar o tema da ciência que é desenvolvido exaustivamente para uma abordagem mais sucinta  e dar espaço para pegar em temas da actualidade, como por exemplo, 'técnica e alienação', 'esfera pública e privada (a partir de Habermas)', etc.

Eu sei que estou em minoria e que a maioria quer manuais/sebentas que venham já com cadernos de fichas e exercícios e o diabo a nove que poupam imenso trabalho. A maioria dos manuais até trazem à margem orientações sobre como é que o professor deve explicar as coisas e que exemplos deve dar... não vá o professor ser estúpido. Outros trazem indicação para os alunos irem ao site do manual se tiverem dúvidas... isto é ofensivo em demasia e mostra bem o que pensam os que fazem manuais (a maioria professores universitários e outros que não o são mas têm problemas em não o ser...), sobre os professores e a importância que lhes [nos] dão. É triste porque as coisas ainda vão piorar mais do que estão.

Enfim, até lá, moi, ensina filosofia a partir do pensamento dos filósofos e não das certezas dos autores dos manuais.

Descartes é lindo e quem não percebe isso não percebe nada :)

 

 

publicado às 17:33


Paradoxos da vida mental actual

por beatriz j a, em 28.10.16

 

Philosophy Beyond the Academy

In the conditions of modern, capitalist society, where any ambitious thinking takes leisure and leisure takes money, the biggest challenge is to find venues for philosophical reflection outside the academy for those without independent means.

 

Para ter alguma segurança de meios que dê tempo livre e independência para pensar é preciso uma vida de trabalho inseguro, dependente e sem tempo para pensar.

 

 

publicado às 04:45


Mais Platão, menos prozac :)

por beatriz j a, em 16.10.16

 

 

Instead of going to traditional psychotherapists for advice and support, growing numbers of people are turning to philosophical counselors for particularly wise guidance. These counselors work much like traditional psychotherapists. But instead of offering solutions based solely on their understanding of mental health or psychology, philosophical counselors offer solutions and guidance drawn from the writings of great thinkers.

 

 

publicado às 21:18


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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