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no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau
O meu corpo é o abismo entre eu e eu.
Se tudo é um sonho sob o sonho aberto
Do céu irreal, sonhar-te é possuir-te,
E possuir-te é sonhar-te de mais perto
As almas sempre separadas,
Os corpos são o sonho de uma ponte
Sobre um abismo que nem margens tem
Eu porque me conheço, me separo
De mim, e penso, e o pensamento é avaro
A hora passa. Mas meu sonho é meu.
Fernando Pessoa
Photograph: Suphakaln Wongcompune
via Fernando Pessoa "gosto de palavrar"
Três versos de Ode Triunfal — que contêm linguagem explícita — foram substituídos por linhas a tracejado.
Chove muito, mais, sempre mais... Há como que uma […] que vai desabar no exterior negro...
Todo o amontoado irregular e montanhoso da cidade parece-me hoje uma planície, uma planície de chuva. Por onde quer que alongue os olhos tudo é cor de chuva, negro pálido.
Tenho sensações estranhas, todas elas frias. Ora me parece que a paisagem essencial é bruma, e que as casas (é que) são a bruma que a vela.
Uma espécie de anteneurose do que serei quando já não for gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me de dentro. Numa névoa de intuição sinto-me matéria morta, caído na chuva, gemido pelo vento. E o frio do que não sentirei morde o coração actual.
Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. Fernando Pessoa.
15-5-1930
Uma vista breve de campo, por cima de um muro dos arredores, liberta-me mais completamente do que uma viagem inteira libertaria outro. Todo o ponto de visão é um apice de uma pyramide invertida, cuja base é indeterminável.
Bernardo Soares (Fernando Pessoa heterónimo)
murat ibrahim
Pecado Original
Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.
O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.
Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?
Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.
Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?
Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Fernando Pessoa
Contemplo o que não Vejo
(...)
Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.
(...)
Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
Fernando Pessoa é "um poeta português sem sotaque". Esta frase é dita a brincar por Carlos Felipe Moisés, o curador brasileiro da exposição Fernando Pessoa - Plural como o universo, que já pode ser visitada na Fundação Gulbenkian e assinala o Ano do Brasil em Portugal.
“O maior domínio de si próprio é a indiferença por si próprio.”
Bernardo Soares
A partir de hoje a biblioteca particular de Fernando Pessoa passa a estar disponível online. Quem a consultar terá acesso não só aos livros que o autor de "Mensagem" adquiriu ao longo da vida, mas também às anotações que deixou impressas nas suas páginas.
O site em http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt. está muito bom e bonito também. Há pessoas a fazer coisas excelentes neste país.
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