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Trabalho para o fim de semana.  Só não deixo de trabalhar aos fins de semana porque sei que é importante os alunos receberem os testes a tempo, pois de outro modo o próprio conceito de testar para poder medir-se e auto-corrigir perde o sentido e, como falava hoje com um colega e amigo, para me marimbar para isso era preciso mudar a minha maneira de conceber o que é ser professor e guiar-me, não pelos meus princípios mas pelos actos de injustiça, estupidez e ignorância dos outros. Como dizia o Sócrates, nas palavras de Platão, é preferível ser vítima de uma injustiça que praticá-la porque uma pessoa arranja maneira de distanciar-se, física ou mentalmente, dos que nos repugnam pela prática da injustiça mas, como nos distanciaríamos de nós mesmos?

 

Fala-se muito na carreira dos professores e da administração pública terem progressões diferentes mas esquecem-se de dizer que os cargos na administração pública dão origem a diferenciação e a dos professores, não.

Quer dizer: na administração pública a pessoa é contratada para um serviço que não inclui cargos; se for escolhida, nomeada para um cargo, vamos supor de assessor ou de chefe de serviço ou de coordenador de um projecto, etc. o seu estatuto muda e, enquanto tiver esse cargo, tem outro salário, outros benefícios. Ganha pontos na progressão. 

Acontece que na carreira de professor para o que somos contratados, os cargos são de aceitação obrigatória e não são reconhecidos, como se tudo fizesse parte de ser professor. Exceptuando o director que ganha um grande acréscimo no salário (e pode beneficiar com tempo lectivo, de modo limitado, algumas pessoas escolhidas por ele [e prejudicar outras, também escolhidas a dedo..]. este é o regime feudal que a Rodrigues deixou nas escolas...) todos os outros cargos, o mais que têm é uma redução de hora e meia por semana, por exemplo, no tempo lectivo, coisa manifestamente insuficiente, mas o exercício dos cargos não é reconhecido para a carreira.

Nas escolas passa-se muita coisa para além das aulas: passam-se palestras, exposições, aulas de apoio e explicações, espectáculos de música, concursos de texto, de poesia, aulas de meditação, campeonatos de desporto, etc. para os alunos e ainda se passam actividades para professores: reuniões, formações... estas coisas não acontecem sozinhas... dão trabalho a organizar e preparar.

 

Exemplos: uma professora é coordenadora dum projecto que dinamiza o auditório. Todas as semanas leva pessoas da mais diversa natureza à escola. Podem ser escritores, poetas, matemáticos, jornalistas... esta semana que vem vai lá o neto do Aristides de Sousa Mendes. São horas e horas, a estabelecer contactos com os palestrantes, combinar dias e horas, falar com os professores para saber a que turmas mais interessa a palestra, saber quais as horas em que causa menos dano os alunos faltarem a uma aula para irem participar, etc. Tudo feito no tempo não lectivo da professora e não reconhecido em termos de carreira.

Uma professora organiza uma visita de estudo de três dias no âmbito das disciplinas de Espanhol e História, a Madrid. A visita é no 2º período mas já está a organizá-la porque tem que conseguir os melhores preços na estadia, na viagem, planear todos os momentos dos alunos que têm que estar sempre ocupados com actividades pedagógicas, as entradas nos museus, a alimentação, fazer reuniões com os pais, tratar dos seguros de viagem e acidentes, do dinheiro... Tudo feito no tempo não lectivo da professora e não reconhecido em termos de carreira.

Uma pessoa é directora de turma. Tem uma hora e meia por semana de tempo lectivo para o trabalho mais uma hora e meia de tempo não lectivo (mas pode não ter. no ano passado tinha 3 direcções de turma e o director entendeu que eu resolvia os problemas sem precisar do tempo legal...)

O cargo de direcção de turma, que é de aceitação obrigatória é um cargo de gestão de conflitos. O director de turma coordena as actividades da turma, faz uma espécie de tutoria e gere conflitos, entre alunos, entre alunos e professores, pais e professores, pais e alunos, professores e professores, etc. É um trabalho que implica antecipar os conflitos e resolvê-los antes de chegarem a ser, tudo para não perturbar o estudo. Os pais ligam e mandam emails a toda a hora do dia e da noite com pressões e queixas, os professores fazem queixas dos alunos, os alunos faltam, zangam-se uns com os outros porque são adolescentes... grande parte do sucesso de uma turma depende do trabalho do DT, da capacidade de antecipar e resolver os conflitos, de manter uma dinâmica de sossego propícia ao estudo, conseguir a colaboração dos pais, uma clima de confiança e de respeito pelos professores... a quantidade de reuniões com pais, colegas e representantes de turma, com o conselho de turma... e isto é quando tudo corre bem e não há casos de bullying, por exemplo, que aí é mais complicado. Tudo isto implica horas e horas do tempo dos professores que não é contabilizado ou reconhecido em termos de carreira.

 

Há muitos outros cargos na escola (coordenadores de departamento, coordenadores da mediateca, da sala de estudo, etc.) que não implicam, como na administração pública ou num hospital, uma mudança de estatuto, um reconhecimento em termos de progressão e uma melhoria salarial (agora também fazemos trabalho de secretaria que nada tem a ver com ser professor e que não podemos recusar...) imagine-se que tinham que pagar aos professores, como acontece na Administração Pública ou num hospital, os cargos que exercemos... todos os anos tinham de pagar a milhares de directores de turma, coordenadores de departamento, coordenadores de projectos, coordenadores da sala de estudo, etc... é por isso que a nossa carreira não contempla grande parte do trabalho que fazemos, que é o que se faz fora da sala de aula e, é por isso que a nossa carreira parece ser uma profissão onde se progride com o tempo. Mas não é. O que acontece é que o Estado não reconhece os cargos que exercemos nem lhes dá importância -são todos horizontais, excepto o director- pois de outro modo tinham que pagar-nos como fazem nas outras carreiras.

 

Pessoas como eu que damos aulas há 30 anos, já ocupámos tudo quanto é cargo (excepto o de direcção, no meu caso) e trabalhámos horas infindáveis, que se somam às horas de aulas e ao resto do trabalho (como corrigir testes e preparar aulas, por exemplo) nunca reconhecidas nem ponderáveis em termos de carreira e, invisíveis. Mas disto ninguém fala como se ser professor fosse um trabalho que começa quando entramos na sala de aula e acaba com o toque à saída. E ainda vem dizer que a carreira de professor é fazer nada e deixa o tempo passar e que por isso não merecemos ter uma carreira. 

É uma grande injustiça.

 

publicado às 13:54


no cabeçalho, pintura de Paul Béliveau. mail b.alcobia@sapo.pt

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